O advogado Raphael da Silva Maia, coordenador da Secretaria Jurídica e de Assistência do Sindicato dos Jornalistas, explica o que significa a recuperação judicial da Abril e quais os impactos desse processo aos que foram demitidos e aos que continuam trabalhando da editora, entre outros esclarecimentos.
A entrevista foi originalmente publicada no jornal Unidade. Confira a íntegra.
O que significa dizer que a empresa está em recuperação judicial? Como as dívidas são organizadas e como é feito o plano de recuperação?
A empresa estar em recuperação judicial significa estar sob uma intervenção, sob uma fiscalização da justiça. É nomeado um administrador judicial e com esse procedimento, que é claramente para beneficiar a empresa devedora, ela tem as dívidas suspensas pelo prazo de seis meses, que seria o período que a lei prevê para realização de assembleia com os credores arrolados para aprovação de uma forma ou de um plano de pagamento que é feito pela própria empresa. Caso esse plano de pagamento não seja aceito, a empresa pode vir à falência, a recuperação é convolada em falência, esse é o termo legal. Nestes casos, os credores não querem que a empresa vá à falência para que não fiquem sem receber porque, com a falência, o pagamento é muito mais demorado. A empresa em recuperação judicial tem essa garantia de seis meses de suspensão das execuções de dívidas, não pode ter penhora nem nada do tipo, o que facilita para a empresa devedora.
Em entrevista à IstoÉ Dinheiro, o atual presidente da Abril afirmou que “todo mundo vai ter que sofrer. (…) sofrem os credores, porque vamos ter de alongar dívida, diminuir taxas de juros e receber num prazo muito maior”. Quais são os riscos reais e os prejuízos para os trabalhadores dispensados?
Em reunião com a Abril, os representantes da editora afirmaram que entendiam que não era possível e nem legal o deságio dos créditos trabalhistas. Mas em reunião com o administrador judicial e conferindo a lei, não há nada proibindo que haja um deságio das dívidas trabalhistas. Caso o plano de recuperação judicial venha com um deságio e a assembleia aprove, existe, sim, a possibilidade de ser homologado. O que a lei diz é que tem que ser pago no prazo de 12 meses após a aprovação do plano, mas até isso tem sido flexibilizado por se entender que em alguns casos não há a possibilidade de pagar nesse prazo. Realmente, é um prognóstico ruim.
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E para quem ficou na empresa, há riscos?
Quem ficou na empresa em tese estaria de certa forma protegido, pois a empresa deveria manter em dia todos os pagamentos, inclusive os trabalhistas. Como a lei concede a recuperação judicial para suspender as dívidas e assim manter os empregos, a estrutura da empresa, se a editora não cumpre a obrigação primordial, que é pagar salário, em tese também não há motivo para a lei garantir que a empresa fique com suas dívidas suspensas. Em tese deveria manter os pagamentos em dia, mas sabemos que na prática muitas empresas usam o fato de estar em recuperação para postergar pagamentos, ganhar tempo, ameaçar colocar os pagamentos dos trabalhadores na recuperação, fazendo um aditamento do quadro de credores. É uma situação difícil.
De que forma o Sindicato está preparando a atuação neste processo?
Em dois aspectos, no jurídico preparando todas as impugnações, divergências, requerimentos, tanto perante a administração judicial quanto ao próprio juiz que são segmentos paralelos. Há questões em nos dirigimos direto ao administrador judicial e outras mais importantes diretamente ao juiz. O outro aspecto é o da organização, de organizarmos os trabalhadores para que, primeiramente, tenhamos uma atuação conjunta na assembleia de credores e para não aprovarmos um plano de recuperação que seja ruim para esses trabalhadores.
Qual a responsabilidade legal dos proprietários com as dívidas trabalhistas de uma empresa em situação normal? Essa questão se altera quando a empresa entra em recuperação judicial? Há possibilidade de responsabilizá-los na Justiça?
Num primeiro momento, tecnicamente a responsabilidade é da pessoa jurídica, e que não mistura com a pessoa física. Na Justiça do Trabalho, quando há um processo e a empresa não está em falência, a execução costuma adentrar no patrimônio pessoal se a empresa não pagar. Os juízes do trabalho são menos tolerantes na consideração da personalidade jurídica e entendem que o mero não pagamento e ter bens da pessoa jurídica para pagar enseja uma ilicitude. Porém, na justiça comum e, principalmente na recuperação judicial, que é uma blindagem da pessoa jurídica, é muito raro impactar na pessoa física. Isso só ocorre se for constado processualmente que houve fraude, confusão patrimonial, desvio. De certa forma, a recuperação blinda o patrimônio.