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Reportagens resgatam a ancestralidade em premiação

Juliana Almeida - SJSP

Aconteceu nesta terça-feira (24) a 45ª edição do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, no Tucarena, em São Paulo. A premiação contou com 630 trabalhos inscritos, e a divulgação foi realizada no último dia 10 de outubro. Antecedendo a solenidade, no início da tarde, foi realizada a 12ª Roda de Conversa com os ganhadores e ganhadoras do prêmio. A iniciativa permite que jornalistas compartilhem os bastidores e o processo de construção das matérias premiadas com o público.

O debate também abordou a saúde mental dos jornalistas. Muito além do envolvimento dos profissionais com a pauta e as personagens, há também o desgaste emocional do jornalista. “O jornalismo é uma profissão muito estressante. Enquanto a gente encontrava os pertences do Dom, deu um nó na garganta; poderia ser qualquer um de nós lá”, comentou Sônia Bridi, jornalista homenageada e vencedora na categoria vídeo.

Durante a conversa, os jornalistas falaram sobre a reconexão com a ancestralidade na produção das reportagens. Catarina Barbosa, jornalista que recebeu a menção honrosa pela reportagem Os Defensores Não Defendidos, comentou sobre como sua herança amazonense reflete em sua reportagem: “Essa reportagem não foi escrita só por mim, que estava em campo; Talita Bedinelli fez a pesquisa em São Paulo. Mas eu estava lá [em campo], e trouxe esse lugar que é o meu lugar de fala. Sou amazônica, tenho relação com o território, tenho uma relação particular com as minhas fontes, e entendo genuinamente pelo que elas estão lutando. Sou filha de ribeirinha. Minha mãe nasceu no Marajó (PA), numa ilha mínima, e foi levada para Belém do Pará para ser empregada doméstica. Então, tenho essa camada na minha escrita.”

Solenidade

No início da sessão solene, os organizadores anunciaram a criação do Instituto Prêmio Vladimir Herzog, que, a partir da próxima edição, será responsável pelo prêmio. Presidida pelo jornalista e representante do Instituto Vladimir Herzog, Giuliano Galli, a comissão será composta por Thiago Tanji, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP); Mariana Valadares, representante da Associação Brasileira de Imprensa (ABI); Tatiana Farah, representante da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI); Luiza Buchaul, representante da Conectas Direitos Humanos; Rodrigo Ratier, representante da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP); Márcia Quintanilha, representante da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ); Alice Rodrigues, representante do Coletivo Periferia em Movimento; Priscila Beltrami, representante da Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo (OAB-SP); Cláudio Aparecido da Silva, representante da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo; Edgar Rebouças, representante da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM); Antônio Funari Filho, representante da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo; Rogério Sotilli, representante do Instituto Vladimir Herzog; e Ivo Herzog, representando a família Herzog.

No discurso de abertura, Rogério Sotilli, diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog, destacou que, no ano passado, às vésperas das eleições, estavam reunidos no Tuca na expectativa do resultado que resgataria a democracia brasileira. “Não é exagero dizer que aquela foi uma das eleições mais importantes e desafiadoras para a nossa jovem e incompleta democracia. Isso porque ela pôs fim a um governo que, durante longos quatro anos, impôs à sociedade brasileira uma realidade de violência, instabilidade e pobreza. Sob a gestão do ex-presidente, o Brasil voltou ao mapa da fome, as políticas públicas de proteção ao meio ambiente foram totalmente sucateadas, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres foram violados, movimentos sociais foram criminalizados, e a compra de armas foi facilitada. Houve uma cruzada contra a imprensa, jornalistas e comunicadores foram atacados de forma covarde e sistemática. Como reflexo disso, os ataques contra jornalistas aumentaram de forma significativa.” Ainda em seu discurso, Sotilli lembrou que o ex-presidente foi condenado em definitivo por assédio moral coletivo contra jornalistas, em ação movida pelo Sindicato.

Nesta quarta-feira (25), completam-se 48 anos da morte do jornalista Vladimir Herzog. Sotilli lembrou, em seu discurso, que o caso de Herzog é emblemático para a história brasileira e, para que não seja esquecido, está em pauta na Câmara o projeto que oficializa o dia 25 de outubro como o Dia Nacional da Democracia Brasileira.

Além de ganhadora na categoria vídeo, a jornalista Sônia Bridi também foi uma das homenageadas da noite. Em seu discurso de agradecimento, ressaltou como a reportagem pode dar voz aos inviabilizados pela sociedade. “A experiência mais incrível da reportagem não é conhecer os lugares e viajar, mas sim conhecer as pessoas, suas histórias, e poder contar essas histórias. O mais incrível ainda é poder impactar de forma positiva a vida das pessoas por causa dessas histórias que contamos. Infelizmente, no Brasil, as histórias são, com frequência, de injustiça e dor. E, se a gente olhar de perto, são histórias que se repetem, de males que se mantêm, como se a mesma história fosse recontada repetidamente, trocando aqui e ali, trocando um nome, um personagem.”

A ilha – Lembrado por Sônia como o primeiro livro de não ficção que leu, aos 16 anos, em Santa Catarina, Fernando Morais também foi homenageado pela premiação. Morais relembrou que, nesta mesma data, em 1975, quase foi preso pela ditadura militar. No dia seguinte, 25 de outubro, o amigo e colega de profissão, Vladimir Herzog, foi assassinado pela ditadura. “É uma coisa estranha você receber um prêmio que tem como nome, como símbolo, não um personagem do século passado, mas alguém que foi seu amigo, seu colega de trabalho, seu companheiro, seu camarada. Minha relação com o Vlado foi extremamente fraterna”, comentou Fernando.

A homenagem in memoriam foi para a jornalista Glória Maria, que faleceu em fevereiro deste ano. Professores e estudantes da EMEF Vladimir Herzog, presentes na cerimônia, homenagearam a jornalista com uma carta para suas filhas, Laura e Maria.

Premiados

Na categoria arte, Vitor Massao, com a obra Belicismo & Extremismo: A Política de Militarização do Poder, lembrou que, nas semanas anteriores, 30 militares foram indiciados na CMPI dos atos golpistas de 8 de janeiro. “Belicismo & Extremismo: A Política de Militarização do Poder é uma matéria de jornalismo gráfico com texto da jornalista Helena Salvador, na qual, pela arte de um carrossel ilustrado, colocamos em pauta a participação dos militares na política, o quanto isso fragiliza a nossa democracia e vem, inclusive, da anistia de generais após a ditadura.”

Yan Boechat recebeu a menção honrosa por seu trabalho As Vítimas da Copa do Mundo no Catar. No momento da premiação, o fotojornalista estava em campo, fazendo a cobertura da guerra na Palestina, e foi representado pelo amigo Delmo Moreira.

Na categoria fotografia, a fotógrafa Márcia Foletto recebeu o prêmio pelo trabalho Mutilados, e, durante seu discurso, destacou que, embora apertar o botão da câmera seja um ato individual, esse trabalho é resultado de um esforço da equipe que trabalhou junto com ela na produção da obra.

Na categoria áudio, Angélica Paulo recebeu, em nome da equipe, pela reportagem Projeto Querino e dedicou a honraria à sua ancestralidade. “Se não fosse por eles, nós não estaríamos aqui, descortinando e revelando essas histórias que sempre existiram, mas que foram invisibilizadas de alguma maneira.”

Na categoria multimídia, a jornalista Rebecca Borges recebeu o prêmio pela equipe do jornal Metrópoles e ressaltou a importância de estar presente na solenidade que homenageou a também jornalista Glória Maria.

A menção honrosa da categoria texto foi dada às jornalistas Catarina Barbosa e Talita Bedinelli, pela reportagem Os Defensores Não Defendidos. Em um discurso emocionado, Catarina lembrou de sua herança paraense e amazonense. “Se a floresta [Amazônica] deixar de existir, nós deixamos de existir com ela. […] Quero lembrá-los que, nas narrativas sobre a Amazônia, o jornalista amazônida é fundamental – e eu acrescentaria indispensável. Nossa relação com o território nunca será colonial, de expropriação ou estereotipada. Digo isso dividindo com vocês que, quem recebe essa menção honrosa, ao lado da Talita, é uma jornalista diplomada, mas antes, a filha de uma ribeirinha.”

A vencedora da categoria texto, pela reportagem A Cova Rasa do Brasil, Gabriela Mayer, agradeceu aos companheiros da revista Piauí pela colaboração na composição da reportagem: Alcino Leite Neto e Marcela Ramos.

Na categoria vídeo, o documentário vencedor foi Vale dos Isolados, produzido por Sônia Bridi e equipe da TV Globo. Em seu discurso, Bridi lembrou que, além do prêmio, a maior honraria era que o caso do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, homenageado in memoriam no ano passado, não fosse esquecido.

A menção honrosa da categoria livro-reportagem foi para a obra Poder Camuflado – Os Militares e a Política: Do Fim da Ditadura à Aliança com Bolsonaro, escrita pelo jornalista Fábio Victor, que não pôde comparecer à premiação, mas a sua honraria foi recebida pelo presidente da OBE, Ricardo Ramos, neto do escritor Graciliano Ramos.

Na última categoria da premiação, o livro-reportagem Arrastados, de Daniela Arbex. A jornalista, que escreveu as obras Holocausto Brasileiro e Todo Dia a Mesma Noite – A História Não Contada da Boate Kiss, destacou em seu discurso que o jornalismo é a ponte para o coração do outro, mas que também é um caminho potente na busca pela justiça. Presente no evento, a jornalista agradeceu a Helena Taliberti, que representou as 272 famílias atingidas na tragédia de Brumadinho.

Ao final da cerimônia, os ganhadores e ganhadoras, a comissão organizadora e os homenageados se reuniram em frente a uma faixa com a palavra “Paz” escrita em 10 idiomas.

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