“Um policial me aponta o fuzil e me manda ter cuidado. Como resposta, aponto minha arma para ele também e nada digo, apenas aperto o botão, porque a foto já vai contar tudo”.
Assim a repórter-fotográfica Maria Isabel Oliveira, do jornal O Globo, relatou em seu perfil no Instagram uma das atitudes de intimidação realizadas pela Polícia Militar de São Paulo no Morro São Bento, região periférica de Santos, no dia 6 de novembro, quando policiais militares abordaram e interromperam o cortejo fúnebre do menino Ryan da Silva Andrade Santos, de apenas quatro anos de idade.
Ryan havia sido assassinado na véspera, no mesmo Morro de São Bento, por tiros disparados por essa mesma Polícia Militar. Na mesma ocasião a PM assassinou outro menor de idade: Gregory Ribeiro Vasconcelos, de 17 anos.
Desde que foi criada, em 1970, por obra da Ditadura Militar (1964-1985), que fundiu numa mesma corporação a Força Pública e a Guarda Civil, a PM paulista vem sendo usada pelos governos para atemorizar e reprimir a população civil, especialmente nas periferias dos centros urbanos, bem como os movimentos sociais e o movimento sindical.
Ao longo de décadas, a PM paulista assassinou milhares de supostos “suspeitos”, na sua maioria jovens negros e pobres. Momentos emblemáticos do Terrorismo de Estado praticado pela PM paulista foram o Massacre do Carandiru (1992), os Crimes de Maio (2006) e a morte de nove jovens em Paraisópolis (2019). Em anos recentes, porém, a adoção das câmaras corporais reduziu acentuadamente a letalidade da PM.
Ao assumir o governo estadual, no início de 2023, o governador Tarcísio de Freitas passou a rejeitar o uso das câmeras corporais e a incentivar a violência dos policiais militares contra a população. Nesse contexto, a realização das “operações” da PM intituladas “Escudo” (2023) e “Verão” (2024), a pretexto de vingar a morte de dois policiais militares, resultou na execução de cerca de 80 populares no Guarujá e em outras localidades da Baixada Santista. Verdadeira carnificina que envolveu atrocidades, torturas a céu aberto e toda sorte de ilegalidades por parte da PM e do governo estadual, e por isso é objeto de denúncias até mesmo na Organização das Nações Unidas.
Levantamento do Instituto Sou da Paz publicado pela Folha de S. Paulo revelou que nos primeiros oito meses de 2024 a PM e outras polícias mataram 441 pessoas no estado de São Paulo, contra 247 no ano passado nesse mesmo período. Ou seja: a letalidade policial cresceu 78%. De cada três pessoas mortas, duas eram negras (pretas ou pardas). São números assustadores, que sinalizam a existência de uma política de extermínio.
Nas últimas semanas, temos visto a PM praticar a covarde invasão de velórios, primeiro em Bauru, onde assassinou dois jovens negros “suspeitos” e espancou familiares de um deles, no dia 18 de outubro; e depois em Santos, como agravante do caso Ryan, e com a particularidade de que os policiais militares envolvidos desafiaram o ouvidor das Polícias, Claudinho Silva.
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo (SJSP) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) juntam-se às vozes que denunciam e repudiam a barbárie exercitada pela PM contra o povo pobre e periférico. Exigimos justiça para Ryan e as demais vítimas. Basta de chacinas, governador! Chega de matar jovens e atacar velórios!
Como disse a professora de Ryan na marcha de protesto realizada nesta terça-feira, 12 de novembro, por familiares e moradores do Morro São Bento, em Santos: “Nós não vamos nos calar contra essa crueldade. Não queremos guerra, queremos justiça e paz. Não somos animais para viver enjaulados dentro de casa, só porque moramos no morro. Nossas crianças gostam de correr e brincar. Nossos filhos vão brincar sim, jogar bola e andar de bicicleta. Ninguém vai impedir”.
Seis décadas após o golpe militar de 1964, já passou da hora de desmilitarizar as Polícias Militares, ainda hoje consideradas “forças auxiliares do Exército”.
São Paulo, 13 de novembro de 2024
Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo
Federação Nacional dos Jornalistas