Em tempos de discussão sobre o PL 4330/04, que regulamenta a terceirização, há de se falar também sobre um fenômeno que hoje atinge principalmente a classe dos jornalistas – a “pejotização” -, e que poderá em breve atingir também outros trabalhadores.
Vagner Patini Martins, especialista em Direito do Trabalho e Sindical, e advogado no Sindicato dos Jornalistas, explica que o fenômeno é comum. “Algumas empresas de outros ramos de atividades, que não são jornalísticas, preferem contratar empresas de Assessoria de Imprensa ao invés de ter um empregado jornalista”, porque desse modo não precisam arcar com os gastos trabalhistas.
Entre as maiores reclamações que o Sindicato recebe, “a falta de registro em carteira de trabalho, 13° Salário, Férias 1/3, Vale Transporte, horas extras – uma vez que a jornada de jornalista, segundo a CLT, é de 5 horas diárias (art. 303 da CLT) – pagamento correto de INSS, e demais benefícios previstos em convenção coletiva, tais como: piso salarial, reajuste salarial, vale refeição, convênio médico e no, caso de mulher jornalista, o auxílio creche”, esclarece Patini.
Os “freelas” e a terceirização nas agências fotográficas
O fotojornalista Mario Palhares passou pela “pejotização”. “Se formos a fundo no funcionamento das agências de foto no Brasil, a terceirização é uma realidade antiga no jornalismo.”
Ele afirma que ainda existe CLT nos veículos de comunicação, mas “principalmente para salários mais baixos”. Em alguns jornais, os fotojornalistas são “freelas, sempre sem qualquer tipo de contrato”, muitos trabalhando meses a fio, “sem contrato, com cargas horários que podem passar de 12 horas diárias, trabalhando com equipamento próprio, sem segurança alguma – física ou trabalhista.”
As agências fotográficas também fazem parte dessa exploração, segundo o fotojornalista. “Os fotógrafos são, oficialmente, clientes das agências, mas elas chamam de ‘parceiros’. Parceiros que possuem um contrato que é uma folha em branco no que se refere a valores. Entretanto, são exigidos como funcionários.”
“Os valores das fotos são muito pequenos, e o que chega na mão do fotógrafo é ínfimo, chegando ao absurdo de menos de um real”, afirma Palhares. “Ter pacotes com essas agências pode ser muito vantajoso. A grosso modo, os maiores valores são de R$20,00 a R$30,00 por foto. Desses valores, metade é da agência e metade do fotógrafo. Algumas ainda descontam impostos. Em alguns pacotes os valores são menores ainda. A agência ganha na quantidade de fotos vendidas, mas usa o trabalho de quem ganha por unidade”, conclui.
Afinal, qual a relação entre a pejotização e a terceirização?
“Eu acho que não ter receio, tem que falar com franqueza. Terceirização é, antes de qualquer coisa, um expediente de administração e de gestão de empresas, que foi largamente utilizado por diversos setores econômicos no Brasil para reduzir os custos com a mão de obra”, afirma Renan Quinalha.
E nessa redução de custos quem fica ao léu é o trabalhador. Mário, por exemplo, já ouviu “propostas de acabarem com a equipe de fotografia própria e usarem os profissionais de agência para cobrir pautas para os veículos”, antes mesmo do tema do PL entrar em pauta. Por isso acredita que precisamos “voltar a exigir dos empregadores” o cumprimento das leis trabalhistas, e não pedir por mais delas.
Para o advogado do Sindicato dos Jornalistas, o projeto representa um atentado aos direitos trabalhistas, “uma vez que as empresas tenderão a demitir seus empregados para recontratar os mesmos, através de ‘empresas terceirizadas’”.
Patini ainda cita dados do Dieese, que estimam “uma redução salarial de 27%”, além de uma “maior rotatividade dos trabalhadores”. Hoje, a média de anos trabalhados por terceirizados é de 2 anos e meio, enquanto a média de não terceirizados é de 5 anos e 8 meses.
Embora o cenário pareça desesperador, Quinalha acredita que o sistema de justiça não vai se curvar de maneira tranquila a esses parâmetros que estão fixados no PL. “Acho que vai haver uma resistência importante”.
“O TST, que é a côrte mais alta no ponto de vista trabalhista, tem 98% dos ministros contrários ao PL. Você tem juízes que fizeram greve de cartório para se manifestarem contrariamente ao PL. O Ministério do Trabalho, assim como outros Ministérios fiscais, se posicionaram contra o projeto. Então todos esses que estão na ponta da cadeia responsáveis pela aplicação das leis começarão a discutir os efeitos literalizantes desse PL. O termo de ‘parcela da atividade’, por exemplo, possui uma grande margem interpretativa. Então eu vejo que se tiver insatisfação desses setores, acontecerá alguma reação lá na frente”, finaliza.
A matéria agora segue para o Senado Federal. Semana passada, Renan Calheiros, presidente da Casa, declarou que “se demorar cinco anos para tramitar no Senado está bom”, uma vez que o PL tramitou por 11 anos na Câmara. Renan também disse que regulamentar a terceirização, “terceirizar a atividade-fim, liberar geral, significa revogar a CLT”, e foi rechaçado por Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados.
Texto de Natalie Garcia, jornalista do portal justificando.com