Deputado petista que preside a Comissão da Verdade de São Paulo denuncia: “a maior derrota que sofremos com a ditadura foi a criação dos grandes impérios de comunicação, que continuam ditando a agenda política do país”
Unidade: A Comissão da Verdade de São Paulo “Rubens Paiva” apurou o envolvimento dos meios de comunicação com os interesses do regime militar?
Adriano Diogo: O Globo até divulgou um editorial fazendo auto crítica por ter participado e apoiado o golpe. Embora ele tenha sido militar, teve apoio fantástico das empresas jornalísticas. Para se ter uma ideia, no 31 de março e 1 de abril, todas as rádios criadas pelo regime entraram em rede nacional. A rádio Eldorado não precisou entrar por que era do Estadão. Como ela apregoou o golpe praticamente um mês antes, ficou isenta de entrar na cadeia de rádio, que chamavam de cadeia da legalidade. Tal era o grau de envolvimento, de adesão pela delação, pela prisão de pessoas. Os jornais na época foram unânimes.
U: Eles respondem algum processo pela participação?
AD: Ninguém no Brasil que apoiou a ditadura, que torturou, que matou sofreu alguma consequência. Ao contrário, enriqueceram. Há indícios de que a mudança do Grupo TimeLife no Brasil foi uma ação organizada para intervir no país. Acho que nem se colocássemos todos economistas do mundo poderíamos mensurar a quantia envolvida. Isso sem falar que o dinheiro não foi o maior problema porque mesmo com o “fim” da ditadura nada mudou. Tudo que eles avançaram no tempo da ditadura permanece intacto até hoje.
U: Como era articulação a ação entre militares e os meios de comunicação?
AD: Existem estudos acadêmicos sobre a forma de atuação deles, mas o que sabemos de fato foi quem resistiu, que foi a chamada imprensa alternativa. Agora essa história do monopólio nacional das principais famílias brasileiras do ramo de comunicação, Marinho, Frias, Mesquita, Saad e Silvio Santos construíram impérios de comunicação e todas as concessões, que são políticas, foram para aqueles que apoiaram o golpe e até hoje é assim. O Sarney, Antonio Carlos Magalhães, os Bornhausen foram beneficiados. Hoje, com a internet, está se tentando mudar.
U: Algum jornal de grande circulação na época conseguiu resistir e não aderiu ao golpe?
AD: Sim. Teve o Última Hora, que era o jornal mais à esquerda de grande circulação na época.
U: E os chamados informativos clandestinos foram eficazes dentro do quadro de censura que se vivia?
AD: Sim, as gráficas dos partidos eram as mais visadas, mais que o comitê central. Qualquer publicação clandestina ou alternativa tinha um efeito multiplicador impressionante. Inclusive, contra os jornais dos sindicatos a repressão foi brutal. Os Diários Associados de Chateaubriand parou o centro de São Paulo, a rua 7 de abril, para fazer uma campanha intitulada “Dê ouro para o bem do Brasil”.
As pessoas iam diante das câmeras de televisão da TV Tupi para doar seus pertences como correntes, anel, aliança de ouro para ter fundos financeiros para combater o comunismo. Isso em rede nacional durante uma semana com participação dos atores e artistas que também faziam contribuições e pronunciamentos. Havia uma histeria contra o comunismo. Era um clima de guilhotina, de morte aos comunistas. E foi o Assis Chateaubriand quem fez essa campanha.
U: Como presidente da Comissão da Verdade de São Paulo, Rubens Paiva, o que chamou mais chamou a sua atenção nos depoimentos?
AD: É que ainda existe gente interessada neste assunto. Ainda tem gente com os olhos bem abertos. Ela gerou uma reação muita interessante e como a política que veio depois do golpe, foi a política do esquecimento, da conciliação e gerou estruturas partidárias nojentas como essas que temos hoje, tem muito gente interessada em saber a história da ditadura para saber quem foram os caras que deram o golpe e qual a representação políticas e o poder que esses caras têm até hoje.
E, porque os partidos com estruturas progressistas que resistiram ao golpe se aliaram a estes golpistas? Aqui no Brasil tem um problema ao contrário da Argentina e da África do Sul. Aqui a ditadura não perdeu militarmente.
Ela perdeu politicamente, ou seja, ela não foi derrotada no campo dela. O que houve foi uma vitória democrática que os derrotou. Mas tudo que eles tinham permaneceu. É como se a gente tivesse derrotado os nazistas na segunda guerra mundial mas nenhum julgamento pudesse ter sido feito e nenhuma estrutura pudesse ser mexida.
Aqui a ditadura não foi derrotada politicamente e nem militarmente. Foi feito um acordo de transição expresso em documentos como a Lei da Anistia e a própria Constituição de 88, que é um acordo com os ditadores e com os golpistas. E depois, sucessivas vezes, principalmente na interpretação da Lei de Anistia que o Supremo deu que os torturadores não podem ser incomodados, nem processados. Então, a ditadura aqui foi perdoada.
U: Que avaliação você faz da reação da população com a instalação da Comissão da Verdade?
AD: Gerou uma enorme reação popular. Eles não esperavam por isso. Eles não esperavam a manifestação dos núcleos de consciência política, criado pelos familiares dos presos desaparecidos e por outras pessoas que não deixaram morrer, não deixaram apagar esta história. Lógico que isso traz um incomodo na agenda política, porque ela é do esquecimento, da conciliação, do perdão.
É muito difícil fazer uma Comissão da Verdade num pais da mentira. Você fala de escravidão e ninguém sabe o que foi o Quilombo dos Palmares e, tem como verdade que foi a princesa Isabel que acabou com ela.
U: Como você definiria hoje a ditadura militar?
AD: A revelação da ditadura só é defendida hoje por quem usufruiu, por quem ganhou poder e dinheiro com ela e, neste contexto, podemos citar principalmente, os grandes meios de comunicação.
Para mim a maior derrota que sofremos com a ditadura foi a criação destes grandes impérios, que continuam fazendo a agenda política do país. Ainda são eles que elegem e tiram presidentes. Eles têm um poder absurdo e ninguém mexe com eles. No meu entender, faltou a visão de que não se negocia, não se faz acordo com torturadores. Tinha que ter havido um período de transição jurídica e não uma conciliação.
São Paulo tem 154 casos dos 540 mortos e desaparecidos no Brasil e a nossa missão é saber quem os matou.
Adriano Diogo é deputado estadual (PT/SP), líder da Minoria na Assembleia Legislativa paulista e presidente da Comissão Estadual da Verdade “Rubens Paiva“