As mais de mil demissões realizadas pela Editora Abril desde dezembro do ano passado foram anuladas pela Justiça Trabalhista, em sentença divulgada nesta terça-feira (25/9). O juiz Eduardo José Matiota, da 61ª Vara do Trabalho de São Paulo, determinou a reintegração imediata dos demitidos – jornalistas, gráficos e administrativos – em ação promovida pelo Ministério Público do Trabalho e pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP).
A decisão fixa uma multa diária de R$ 100 por empregado, em caso de descumprimento da sentença, e condenou a empresa ao pagamento de R$ 500 mil por danos morais coletivos, a serem destinados ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
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O juiz explica, em sua sentença, que “sequer as verbas rescisórias foram quitadas, não tendo sido apresentado plano ou proposta que pudesse minimizar os impactos sociais que a demissão em massa inegavelmente causa no seio social”. Destaca ainda que “os riscos do empreendimento recaem sobre o empregador, não sendo razoável a maximização dos lucros e a socialização dos prejuízos, não se cumprindo sequer o mínimo exigido pela legislação em vigor”.
Matiota ressalta ainda a importância da negociação coletiva com as entidades sindicais: “A dispensa de número vultoso de trabalhadores, sem prévia e justa negociação com o sindicato da categoria (…) causa grave problema social no âmbito em que a empresa está situada.” Com base neste entendimento, a sentença determina que a Editora Abril “se abstenha de demitir trabalhadores sem prévia e efetiva negociação coletiva, sob pena de multa de R$ 10 mil em razão de cada trabalhador dispensado a partir desta decisão”.
Origem da ação
As demissões que deram base inicial à ação ocorreram a partir de dezembro de 2017, quando a empresa impôs aos trabalhadores o parcelamento em dez vezes das verbas rescisórias (que, pela lei, têm de ser pagas em até 10 dias). O Sindicato dos Jornalistas se opôs à medida, buscando organizar os demitidos. Em função de sua posição, o Sindicato participou de uma audiência organizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), por iniciativa da procuradora do trabalho Lorena Vasconcelos Porto, para propor à Editora Abril um Termo de Ajustamento de Conduta, recusado pela empresa. A participação do Sindicato foi decisiva para caracterizar a ausência de qualquer negociação de mérito a respeito das demissões. Assim, a entidade sindical tornou-se copatrocinadora (assistente listisconsorcial) da ação aberta pelo MPT em abril de 2018.
Quando a Editora Abril deflagrou a demissão em massa dos 800 trabalhadores, em 6 de agosto, o Sindicato dos Jornalistas compareceu diante do juiz, no início daquela tarde, para comunicar o fato e reivindicar a proibição imediata das demissões, por pedido liminar (antecipação de tutela). Matiota decidiu, naquele momento, remeter a questão diretamente para o julgamento de mérito, anunciado neste 25 de setembro.
“A decisão é uma vitória da resistência das categorias. Nós defendemos os empregos, as revistas, e não podemos concordar com a destruição de tudo o que milhares de trabalhadores construíram por décadas. O fato de a empresa sequer pagar os direitos trabalhistas – remetendo os créditos para uma recuperação judicial, de horizonte incerto – ainda torna tudo gravíssimo, pois a família dos proprietários acumulou uma grande fortuna com a empresa, e não pode se furtar às suas obrigações”, afirmou Paulo Zocchi, presidente do SJSP. Para ele, “a sentença injeta mais ânimo num movimento já combativo e determinado que os jornalistas estão fazendo, em conjunto com as demais categorias”.
Reintegração imediata
Publicada oficialmente nesta quarta-feira (26/9), a sentença tem cumprimento imediato. Cabe, no entanto, recurso em até 8 dias úteis. Para o Sindicato dos Jornalistas, a decisão deve ser colocada em prática já, uma vez que o juiz determinou o pagamento dos salários desde o desligamento, e a soma se acumula a cada dia.
Com a reintegração dos demitidos à empresa, qualquer nova demissão individual, inclusive, teria de ser paga nos prazos da lei, sob pena de falência, já que no regime da recuperação judicial, ao qual a Abril está submetida, não se pode atrasar nenhum pagamento corrente.
Os Sindicatos dos Jornalistas, Gráficos, Administrativos e Distribuidores estão convocando nova assembleia conjunta dos trabalhadores na próxima segunda-feira (1/10), às 15h, na sede do SJSP (Rua Rego Freitas nº 530, sobreloja, Vila Buarque, no centro paulistano), para debater o panorama aberto com a sentença judicial e a posição a ser levada pelos representantes dos trabalhadores na Assembleia de Credores convocada para o 2 de outubro (terça-feira) no âmbito da recuperação judicial da empresa.
Demissão coletiva e reforma trabalhista
Há um aspecto da sentença do juiz Matiota cuja importância ultrapassa as categorias diretamente envolvidas, pois contesta entendimento corrente de que a reforma trabalhista permitiria livremente a demissão em massa. Segundo Raphael Maia, advogado coordenador do Departamento Jurídico do SJSP, “a sentença interpreta o artigo 477-A da CLT à luz da Constituição Federal, esclarecendo que, mesmo que a reforma trabalhista diga que não se exige ‘autorização’ da entidade sindical para a realização de demissão coletiva, o ordenamento constitucional, em diversos dispositivos, privilegia a ‘negociação coletiva’ neste caso.”
A decisão descreve a base jurídica para a valorização da negociação coletiva, partindo dos artigos da Constituição – como o 1º (incisos III e IV), 5º (XXIII), 7º (VI, VIII, XIV e XXVI), 8º (III e VI) e 170 (III) –, citando as normas internacionais, como as Convenções 11, 98, 151 e 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e ainda o aspecto da reforma trabalhista que diz privilegiar o “negociado sobre o legislado”.
Por conseguinte, a sentença afirma que “por todos esses motivos, não se pode – a partir de uma interpretação literal e isolada do artigo 477-A da CLT –, extrair que não se faz necessária prévia negociação coletiva para despedidas coletivas”.