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Jornalismo fez parte da vida de Dom Angélico (1933-2025), bispo que enfrentou a Ditadura Militar e defendeu a classe trabalhadora

Angélico Sândalo Bernardino morreu nesta terça (15), depois de uma vida inteira dedicada aos pobres e oprimidos. Ele foi jornalista, filiado ao SJSP, e denunciou o assassinato de Vladimir Herzog
Márcio Garoni - SJSP

Morreu na tarde de terça-feira, 15 de abril, aos 92 anos, o bispo emérito dom Angélico Sândalo Bernardino, um dos principais protagonistas históricos da ala esquerda da Igreja Católica no Brasil. O padre estava sob cuidados domiciliares em uma paróquia na Zona Norte de São Paulo, depois de ter passado por meses de internações e cirurgias. O “Dom dos Pobres”, como ficou conhecido, teve atuação marcada pela defesa dos trabalhadores e dos marginalizados, e também passou pelo jornalismo, tendo sido filiado ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP).

Dom Angélico nasceu em 19 de janeiro de 1933, em Saltinho, no interior de São Paulo, em um ambiente familiar simples, de pai lavrador e mãe dona de casa. Foi coroinha aos 8 anos de idade, e aos 13 ingressou no seminário. Aos 18 anos, mudou-se para a capital paulista, onde seguiu com os estudos para ser padre e cursou filosofia. Como relatado por Camilo Vannuchi no livro digital Dom Angélico: o Bispo que Gritava junto com o Povo, Angélico deixou o seminário aos 20 anos, e mudou-se para Ribeirão Preto, passando a trabalhar no jornal Diário de Notícias, da diocese da cidade. Logo Dom Angélico retomaria o interesse em concluir o seminário, e em 1959 foi ordenado sacerdote.

O jornalismo, porém, seguiu presente na vida de Dom Angélico. Em 1960, o padre recém-ordenado se tornou  redator-chefe do Diário de Notícias. Entre 1977 e 2000, já como bispo, ocupou o posto de diretor do jornal O São Paulo, da Arquidiocese de São Paulo. Foi filiado ao SJSP e, segundo Vannuchi, exibia com orgulho a interlocutores a carteirinha do sindicato.

Durante a Ditadura Militar, iniciada em 1964, Dom Angélico aproximou-se de importantes bispos e religiosos vinculados à Teologia da Libertação, como Dom Hélder Câmara e Leonardo Boff, e denunciou as perseguições e torturas cometidas pelos órgãos de repressão política. Em 1975, como bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, esteve ao lado de Dom Paulo Evaristo Arns no ato ecumênico celebrado na Catedral da Sé, em memória do jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado pela repressão nas dependências do Doi-Codi.

Também celebrou a missa de sétimo dia da morte do operário Manoel Fiel Filho, igualmente morto sob tortura pela repressão, em 1976, e participou das homenagens ao operário Santo Dias, assassinado pela Polícia Militar durante um piquete em 1979. Dom Angélico era amigo de Santo Dias, membro destacado da Pastoral Operária, e comparou sua morte ao martírio de Jesus Cristo.

Seguiu atuando ao lado de sindicatos e movimentos populares das periferias de São Paulo, acompanhando as greves operárias do ABC e os movimentos que lutavam pela redemocratização do país. Em 1989, por ocasião da reorganização da Arquidiocese de São Paulo (determinada pelo Vaticano para reduzir o poder de Dom Paulo), Dom Angélico foi transferido para a Região Episcopal Brasilândia. No ano 2000 foi criada a diocese de Blumenau, em Santa Catarina, e Dom Angélico foi nomeado  bispo titular. Aposentou-se em 2009, mas se manteve ativo celebrando missas e eventos públicos.

Depoimento de Dom Angélico à Comissão Estadual da Verdade “Rubens Paiva”, na Alesp (2013)
Depoimento de Dom Angélico à Comissão Estadual da Verdade “Rubens Paiva”, na Alesp (2013)

Em 2013, Dom Angélico prestou depoimento à Comissão Estadual da Verdade “Rubens Paiva”, da Assembleia Legislativa, falando de sua participação na imprensa no período ditatorial. Na ocasião, relatou o episódio em que a repressão falsificou uma edição do semanário O São Paulo, forjando uma suposta entrevista de Dom Paulo Evaristo Arns, na qual ele se desculpava aos fiéis e fazia uma revisão de sua conduta.

Dom Angélico também discorreu sobre a implantação da censura prévia naquele jornal e as tentativas de burlar o cerco. Na ocasião, o bispo e jornalista deixou aos presentes um ensinamento que resumiu a atuação de toda uma vida: “Precisamos nos colocar decididamente na defesa dos pobres e explorados, vítimas do capitalismo liberal”.

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