260 jornalistas completam 12 anos de luta para receberem seus direitos trabalhistas
Os aniversários estão ficando cada vez mais penosos. Não há vontade de lembrar, e muito menos motivos para comemorar – afinal, alguns já nem estão mais por aqui para “celebrar”. A Associação dos Ex-Funcionários e Credores da Gazeta Mercantil chega ao seu 12º ano de existência em meio a muitas frustrações, mas ainda com a expectativa de ver seus associados indenizados por falta de pagamento de salários, FGTS e verbas rescisórias, atos bárbaros cometidos pelos proprietários e controladores.
Em 22 de junho último, no auditório Vladimir Herzog, do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, a entidade realizou a sua primeira assembleia em 20 meses. Dos 384 associados originais, ainda persistem 260, sempre acreditando que um dia o empresário Nelson Tanure, e quem sabe o ex-dono da Gazeta Mercantil Luiz Fernando Levy, paguem o que ficaram devendo. As estimativas mais conservadoras dos advogados Wladimir Durães e Carlo Frederico Muller informam que a dívida com a associação ultrapassa 250 milhões de reais.
Crise do jornal
Para lembrar: desde o final do século XX, a Gazeta Mercantil, considerada a bíblia do jornalismo econômico da América do Sul, tinha problemas sérios de administração e atrasava salários e FGTS com frequência. A crise interna explodiu em outubro de 2001, quando o atraso de salários se tornou crônico. Houve greve em novembro daquele ano, que resultou na demissão sem indenização de quase 500 funcionários, metade deles jornalistas.
Para debelar a crise, empresários e gestores incautos acreditaram nas promessas de Levy e tentaram planos milagrosos para salvar a empresa, que incluíam o pagamento parcial de salários e depósitos esporádicos de FGTS. Não deu certo. Criada no final de 2001 mas formalmente instituída em
Não se poderia imaginar cenário mais grave, mas a situação piorou em meados daquele ano, com mais salários deixando de ser pagos e a ameaça iminente de fechamento do jornal. O empresário Nelson Tanure, que tinha arrendado o Jornal do Brasil, apareceu como o salvador da empresa, para desgosto dos funcionários. Em um acordo pouco transparente, Tanure assumiu o título, demitiu todo mundo, recontratou como pessoa jurídica e ignorou as verbas rescisórias. Nas poucas reuniões em que se dispôs a conversar com a associação, pouco prometeu e nada cumpriu. Uma conta grosseira feita pelos advogados da associação, em 2010, dava conta de que, sem as multas aplicadas pela Justiça, cada funcionário tinha em média 18 salários para receber, se fossem somados os atrasados, o 13º e o FGTS não recolhidos.
Assembleia
O dia 22 de junho de 2013 serviu para que velhos amigos se reencontrassem e para que algumas boas histórias fossem relembradas. Serviu também para que os associados, cerca de 70, o maior quórum desde 2002, ouvisse de Durães e Muller que 95% dos processos – há pessoas com três ações referentes às irregularidades cometidas pela Gazeta Mercantil e Nelson Tanure – já transitam em julgado, ou seja, ganhamos quase tudo, mas não há meios de levarmos. A reunião teve a presença de André Freire, secretário-geral do Sindicato, expressando o apoio e a solidariedade da entidade.
A esperança ainda está viva e ganhou reforço, com a informação de que há uma fazenda confiscada pela Justiça, de propriedade de Levy, que pode ir a leilão ainda neste ano. As expectativas foram reforçadas com as seguidas decisões das Justiças do Rio de Janeiro e de Brasília, nas esferas cível e trabalhista, que reiteraram várias vezes, em decisões inequívocas, que a TIM, que comprou a Intelig de Tanure, tornou-se devedora solidária – portanto, terá de assumir o pagamento, algum dia, da dívida deixada pelo arrendatário da Gazeta Mercantil. Foi graças à luta da associação e de seus advogados que a responsabilidade solidária ficou caracterizada entre as empresas de Tanure e aquelas que fizeram negócios com ele.
Tem sido cada vez mais penoso reunir os amigos e parentes daqueles que já se foram no simbólico auditório Vladimir Herzog, figura emblemática da luta contra injustiças históricas. Entretanto, ao fim de cada assembleia, fica explícita a vontade de perseverar.
Houve, e ainda há, dificuldades e obstáculos complicados a serem ultrapassados, mas quando se escuta as palavras de Armênio Guedes, um de nossos associados, a vontade de insistir se fortalece. Aos 95 anos, recusou perante uma juíza do trabalho que insistia para que aceitasse um acordo para receber menos de 40% do que tinha direito. Ao ouvir que talvez não estivesse vivo ao final do processo caso não aceitasse, não hesitou: “A questão aqui não financeira, o dinheiro é o que menos importa. É uma questão de princípios.”
Texto – Marcelo Moreira