A falência da Indústria Brasileira de Formulários (IBF), decretada em 2000, ainda é um capítulo doloroso para centenas de trabalhadoras e trabalhadores, incluindo jornalistas, que até hoje não receberam suas verbas rescisórias e outros direitos. Fundada em 1968, a IBF foi um gigante do setor gráfico brasileiro, sendo o seu grupo empresarial responsável pela publicação de importantes jornais, como o Diário do Comércio Indústria (DCI) e o jornal Shopping News.
A atual gestão da falência, que envolve o processo de liquidação dos bens da empresa, tem gerado dificuldades. Até hoje, o valor devido aos credores trabalhistas, composto principalmente por jornalistas e gráficos, chega a cerca de R$ 67 milhões. No entanto, a complexidade do caso e a morosidade judicial têm retardado o pagamento dos valores, causando sofrimento entre os credores, muitos dos quais já faleceram sem ver a dívida ser quitada.
Denúncias de má gestão dos bens
O processo de falência da IBF está sob a responsabilidade de um síndico nomeado pelo juiz, que tem como função arrecadar e vender o patrimônio da empresa para quitar a dívida. Um exemplo é o caso de imóveis da empresa, como o “Palácio dos Cedros”, localizado no Ipiranga, em São Paulo. Este imóvel, tombado pelo patrimônio histórico, tem sido alugado por valores muito abaixo de seu valor de mercado, algo em torno de R$ 15 mil mensais, segundo documentos juntados a ação. O valor é irrisório considerando seu porte e localização, estimam corretores imobiliários consultados.
Além disso, o patrimônio da IBF inclui imóveis de grande valor em várias partes do Brasil, como em São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e até Brasília. Contudo, a venda desses bens tem sido lenta, e muitos continuam sendo alugados por valores módicos, o que levanta questionamentos sobre a real utilidade de se estender por tantos anos uma locação e não efetuar logo a venda dos bens para pagar os credores.
A complexidade do processo também se reflete na acumulação de dívidas tributárias, passíveis de serem classificadas com restituição e encargos com a administração da massa falida.
Em 16 de dezembro de 2023, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) protocolou uma petição pedindo o início imediato dos pagamentos aos trabalhadores, ainda que de forma parcial. A petição foi indeferida, mas o Sindicato recorreu, protocolando um Agravo de Instrumento ao Tribunal de Justiça em abril de 2024, reiterando o pedido de pagamento antecipado. Mesmo com o posterior indeferimento do recurso, o síndico, em razão da pressão do Sindicato, finalmente sinalizou que irá iniciar os procedimentos para efetuar um primeiro rateio para pagamento de ao menos 60% do crédito aos credores trabalhistas.
Ainda não há qualquer previsão de quando esse primeiro rateio irá ocorrer, mas o SJSP segue pressionando para que os pagamentos, mesmo que parciais, sejam realizados, considerando o grande valor já arrecadado com a venda de ativos da IBF.
No final de outubro, o SJSP realizou uma assembleia hibrida para discutir os rumos do processo, reunindo trabalhadores do DCI e da Editora Visão, ligados a IBF. Durante a assembleia, o advogado e coordenador jurídico do SJSP, Raphael Maia, informou que até julho de 2024, o síndico comunicou que os leilões de imóveis arrecadaram cerca de R$ 59,1 milhões, mas o valor não seria suficiente para quitar integralmente os débitos trabalhistas. Ainda faltam a venda de outros bens, como terrenos em São Paulo, Brasília e Mogi Mirim, além de imóveis valiosos localizados no Ipiranga. Há uma expectativa de que esses bens possam gerar recursos suficientes para pagar os credores, mas o processo continua a ser marcado pela morosidade e pela falta de transparência em relação à real situação financeira da falência. Até o momento não houve consolidação total dos valores arrecados com aluguel e venda dos imóveis.
Opção pela venda de créditos
Diante da longa espera e da morosidade no processo, alguns credores decidiram vender seus créditos a empresas especializadas na compra de dívidas. Em junho de 2024, o SJSP entrou em contato com uma empresa que concordou em pagar 50% do valor histórico do crédito listado no Quadro Geral de Credores, com pagamento à vista após a formalização da cessão de crédito. Essa opção tem sido considerada razoável por aqueles que, por extrema necessidade financeira, não podem aguardar mais pelo pagamento integral e imediato. Em geral, esse tipo de venda é oferecida com um deságios de 70% a 90% do valor estimado.
Até o momento, cinco ex-funcionários optaram pela venda de seus créditos e já receberam os valores negociados. A opção de vender o crédito tem gerado controvérsia, pois muitos acreditam que é uma solução temerária e que, no futuro, poderiam receber um valor maior com o andamento do processo de falência. Contudo, a necessidade imediata de recursos tem levado alguns trabalhadores a tomarem essa decisão, mesmo sabendo que estão abrindo mão de boa parte do seu crédito.
O futuro do processo
O desenrolar da ação judicial continua a gerar expectativas e frustração entre os ex-funcionários, que aguardam há mais de 20 anos pelo pagamento dos valores devidos. Com a digitalização do processo, espera-se que a tramitação se acelere, mas o desfecho ainda está distante. “A nossa luta continua, e faremos tudo o que for possível para que os trabalhadores recebam tudo o que lhes é devido e da forma mais rápida possível. O tempo já é mais do que suficiente”, finaliza Raphael Maia, com a esperança de que a justiça, finalmente, tome uma decisão que traga alívio aos milhares de credores que ainda aguardam uma solução para este caso que já dura mais de duas décadas.