Condenado em segunda instância por dano moral coletivo à categoria de jornalistas, Jair Bolsonaro recorreu da decisão. Mas em seus embargos de declaração, nome dado ao recurso jurídico para solicitar esclarecimentos dos próprios desembargadores que assinaram a sentença, a defesa do ex-presidente praticamente referenda uma confissão de culpa ao alegar que as ofensas e ataques eram dirigidos a apenas uma “parcela da imprensa”, que supostamente seriam ligados à esquerda.
Em resposta a esses embargos de declaração, o Departamento Jurídico do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) pontuou que há uma tentativa de “justificar o injustificável” ao imputar às vítimas a culpa pelos ataques sofridos, praticados ou instigados por Bolsonaro.
Os advogados do ex-presidente também alegaram que “não se tem notícia de profissionais de imprensa que, ligados a veículos alinhados a costumes mais tradicionais, tenham enfrentado qualquer obstáculo” em seu exercício profissional. Não é possível afirmar com precisão o que seriam tais veículos de “costumes tradicionais”. Mas, certamente, se a intenção era se referir aos jornalistas que trabalham nas grandes empresas de comunicação, essa é mais uma mentira de Bolsonaro.
Não é necessário grande esforço de pesquisa para levantar dezenas de ataques proferidos diretamente pelo ex-presidente a profissionais de praticamente todos os grandes veículos de comunicação. Tais agressões foram devidamente registradas por diferentes entidades jornalísticas, como a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). “Nos autos há a comprovação de várias manifestações verbais do Embargante atacando a imprensa e os jornalistas de forma genérica, sem especificar um determinado profissional ou veículo de imprensa, o que faz cair por terra a sua argumentação”, afirma o a peça jurídica assinada pelo Departamento Jurídico do Sindicato.
“A nova petição de Bolsonaro, além de admitir os ataques à parcela da imprensa, insinua que tais profissionais seriam imparciais e aparelhados por governos anteriores, ou seja, tanta construir uma narrativa inverídica para justificar os ataques, o que é um acinte à categoria”, afirma o advogado Raphael Maia, coordenador do Departamento Jurídico do SJSP.
Relembre o caso
Em uma decisão publicada no último dia 25 de maio, a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve, por unanimidade, a condenação de Bolsonaro por dano moral coletivo à categoria dos jornalistas. Essa decisão ratificou o entendimento estabelecido em primeira instância. Os desembargadores modificaram apenas o valor da indenização, que foi reduzido para 50 mil reais e será revertido para o Fundo Estadual de Defesa dos Direitos Difusos.
Anteriormente, em junho de 2022, a 24ª Vara Cível da Comarca de São Paulo havia condenado o então presidente da República a pagar 100 mil reais de indenização. À época, a magistrada Tamara Matos citou diferentes declarações homofóbicas e misóginas de Bolsonaro contra jornalistas, em um levantamento realizado pelo Departamento Jurídico do SJSP ao ingressar com a ação civil pública em 7 de abril de 2021, Dia do Jornalista.
“Com efeito, tais agressões e ameaças vindas do réu, que é nada menos do que o Chefe do Estado, encontram enorme repercussão em seus apoiadores, e contribuíram para os ataques virtuais e até mesmo físicos que passaram a sofrer jornalistas em todo o Brasil, constrangendo-os no exercício da liberdade de imprensa, que é um dos pilares da democracia”, destacava um dos trechos da decisão.
Relembre a reportagem especial do Unidade sobre a condenação de Jair Bolsonaro.