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Juca Kfouri: “O Sindicato é uma trincheira necessária à luta dos direitos humanos”

Juca Kfouri: “O Sindicato é uma trincheira necessária à luta dos direitos humanos”


Jornalista, colunista, militante dos direitos humanos e da democracia. Com mais de 40 anos de trabalho e formado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo, Juca Kfouri é um dos mais reconhecidos jornalistas de sua geração e a oportunidade de conversar com ele é sempre uma aula de jornalismo.

A entrevista exclusiva concedida por Juca inaugura a nova seção do jornal Unidade, dedicada ao bate-papo com os profissionais sindicalizados que fazem a história do jornalismo, marcando o início das celebrações dos 80 anos do Sindicato em 2017.

SJSP: Você se sindicalizou nos anos 1970. Como você vê a importância do Sindicato para os jornalistas?

Quando me sindicalizei, no começo da minha vida como jornalista, tinha um sentido muito claro. Era muito pouco por uma razão trabalhista, era eminentemente por uma razão política. Era fazer com que nosso sindicato, então na mão de gente que não enfrentava a ditadura, que passasse a enfrentá-la, defendendo a democracia, a liberdade de expressão, o fim da censura. Eu me engajei fortemente no que foi chamado à época de MFS, o Movimento de Fortalecimento do Sindicato, que redundou na eleição – surpreendente eleição, diga-se de passagem – do Audálio Dantas, em 1975.

Em seguida tem o assassinado do Vladimir Herzog e todo o papel de protagonismo do Sindicato. Era uma coisa muito forte ali. O Sindicato virou uma trincheira na luta pela redemocratização no Brasil de tal maneira que as questões propriamente trabalhistas passaram um bom tempo secundarizadas.  Elas retomam fortemente, muito estimuladas pelas greves dos metalúrgicos do ABC, em 1979, quando então fazemos a nossa greve.

Hoje têm as duas faces do que imagino que deva ser a luta sindical –  uma situação econômica desgraçada, mesmo na vida do jornalista, e tem de novo, infelizmente, um sindicato que precisa ser uma trincheira democrática para a luta dos direitos humanos, que se insurja contra a violência da PM. Eu não imaginava viver isso de novo.

Houve um momento da minha vida que eu achava que havia apenas dois lugares seguros em São Paulo – o Sindicato dos Jornalistas e a Cúria Metropolitana. O Sindicato era seguro porque tinha conseguido dar uma resposta à violência, que culminou com o assassinato do Vlado, que se tornou quase como um território de embaixada. Por mais que os militares tenham feito ameaças, e o Audálio e outros  tenham tido que segurar uma barra pesada, ficaram na ameaça, nunca entraram lá.

SJSP – Como você avalia o papel dos meios de comunicação nessa conjuntura política e econômica que vivemos no Brasil?

Estou preocupado com tudo o que estamos vendo e não é de hoje. Temos uma cobertura da crise brasileira absolutamente desequilibrada, em que não tem lado algum fazendo bom jornalismo porque, para se contrapor à cobertura da grande mídia, que é, ao meu ver, descompensada, você tem, quase como uma guerrilha, uma outra cobertura também descompensada, e  não há espaço para jogar luz sobre os fatos e contar o que está acontecendo da maneira mais isenta possível, com todos os problemas que conhecemos sobre o que seja a objetividade jornalística. Não temos hoje, a não ser alguns jornalistas, algumas vozes, de um lado ou de outro, gente se preocupando em fazer jornalismo e não fazendo campanha para A ou para B.

SJSP: Falando em comunicação de guerrilha, o que você acha da comunicação alternativa, do trabalho dos blogueiros, para fazer um contraponto à mídia tradicional?

Eu gosto muito e a grande surpresa que tive na minha vida de jornalista em 46 anos é o blog que tenho hoje. Eu acho o trabalho dos Jornalistas Livres excelente e republico a Agência Pública com muita frequência. E qual é a grande vantagem, falando do meu caso? Porque, se há algo inegociável para mim, nos locais onde  trabalho, é que  falo e escrevo exatamente o que eu quiser, não tem nenhum tipo de controle, de filtro, ninguém me diz “isso pode, isso não pode”. Aí você pode dizer que é uma conquista de alguém que tem anos de profissão e fez nome. Mas o centro do papel do jornalista também é assim porque eu nunca permiti que uma chefia me fizesse fazer qualquer coisa que ferisse um princípio meu. Para mim é muito claro, feriu o princípio uma vez, acabou, porque vai ferir quantas vezes te mandarem.

Além disso, você não precisa berrar com ninguém, nem fazer nenhum comício. A sua postura determina se alguém vai te pedir para fazer alguma coisa que fere um princípio seu ou não – o que não significa dizer que eu não tenha feito coisas por ordem do meu chefe das quais eu discordasse – até como diretor de revista, quando o Roberto Civita pediu para eu parar de tentar a Malu Mader para a capa da Playboy em 21 anos para colocar a Carla Peres. Fizemos a melhor Carla Peres possível, mas não me mande fazer uma capa para o Ricardo Teixeira, para o João Havelange, aí não há hipótese,  pego minhas coisas e vou embora como fui da Abril depois de 25 anos, porque não vou fazer o que é inaceitável.

Você é um jornalista muito crítico em seu trabalho, sempre se posicionou politicamente e enfrenta processos por causa disso. Mas você já foi censurado diretamente ou sofreu alguma represália por se posicionar?

As represálias são as ações da justiça que, só de Confederação Brasileira de Futebol e  Ricardo Teixeira, são mais de cem. E fui censurado diretamente, sim, por isso saí da Editora Abril depois de 25 anos. Roberto Civita me pediu que não criticasse mais Ricardo Teixeira porque a Abril tinha partido para fazer a TV e precisava do futebol. Eu continuei a criticar na Placar e ele mandou me avisar que não me via mais na revista, que tinha outros planos para mim na empresa. Só que eu não tinha e fui embora.

A dinâmica do jornalismo é outra com a internet e a publicação rápida Como fica a velocidade versus apurar os fatos?

Teoricamente, a resposta padrão é que prefiro publicar melhor do que publicar primeiro. Mas no dia a dia raramente acontece assim porque preciso publicar antes que alguém dê, e às vezes você erra ao fazer isso. Tive que treinar muito no blog para não cometer esse tipo de erro e, se tenho um furo, a primeira coisa que avalio é onde vou por essa notícia. Se for algo que eu tiver absoluta certeza – e hoje em dia é raro ter essa certeza – publico na Folha. Quando é alguma coisa que sei que tem vida curta e alguém pode dar antes, aí é ou pela Rádio CBN ou no blog. Essa pressão você tem que ser muito experiente para saber lidar. A coceguinha de dar a notícia antes faz parte, por isso é que a gente morre cedo.

É o que é que 21 jornalistas fazem num voo fretado como o da Chapecoense que, no acidente, levou dezenas de pessoas à morte? As empresas de comunicação estão economizando para colocar jornalistas em voos assim, mas, por outro lado, há profissionais que defendem que o jornalista esportivo vá junto. Essa discussão precisa ser feita, não?

Tem dois lados dessa questão. O lado mais fácil seria agir como sempre fiz questão quando dirigi uma revista de futebol – não aceitamos convite, só vamos quando acharmos que devemos ir e pagamos pela ida, não tem essa de jornalista convidado. Mas tem o lado que é o jornalista querer ficar perto dos jogadores e não, necessariamente, isso sai de graça, muitas vezes as empresas compram ou põem seu jornalista no hotel da Seleção quando isso cabe. Mas a questão subjacente, que precisa ser discutida, é onde estamos colocando nossos profissionais e onde os times de futebol estão colocando seus jogadores. Essa fatalidade está na cara que não foi uma fatalidade, é óbvio que tem um acerto aí com a Confederação Sul-Americana de Futebol, que recomendava essa companhia. Não saber disso, não pesquisar onde estão colocando, seja o time de futebol, sejam os jornalistas, está errado.

Fotos: Cadu Bazileviski

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