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Unidade entrevista Janio de Freitas

Unidade entrevista Janio de Freitas

 

Aos 88 anos, Janio de Freitas mantém a vitalidade. Dirige seu carro pelas ruas do Rio de Janeiro,  acompanha por dentro tudo o que acontece no país e mantém a sua coluna na Folha de S.Paulo. Hoje, apenas semanalmente, aos domingos, e não por sua vontade. Crítico do governo Bolsonaro e do comportamento da imprensa nos últimos anos, vê relação de causa e consequência entre ambos. “Se abrissem o jogo sobre quem era o Bolsonaro no começo, ele não teria conseguido sobreviver. A história dele o eliminaria”, diz, sobre a atuação dos grandes veículos de comunicação.

A carreira de Janio se confunde com a história do jornalismo brasileiro moderno. Desde que entrou numa redação pela primeira vez, em 1953, viveu por dentro a evolução e a estagnação do jornalismo brasileiro, assim como testemunhou todos os capítulos vividos pela nação.

Foi responsável pela reconstrução de três jornais. A mais importante, posta em prática em 1959, quando tinha 27 anos, foi a do Jornal do Brasil, considerada por muitos como a mais inovadora iniciativa na história da imprensa nacional.

Desde 1980 está na Folha, onde, em 1987, protagonizou um episódio emblemático do jornalismo brasileiro. Com os resultados fabricados da licitação da Ferrovia Norte-Sul em mãos, um negócio avaliado em 2,4 bilhões de dólares, publicou antecipadamente os nomes dos vencedores de forma cifrada nos classificados do jornal. Desmascarou a fraude no dia seguinte à publicação do resultado da concorrência, provocando grande impacto político.

Um dos principais jornalistas brasileiros em atividade, Janio não poupa empresas nem profissionais ao criticar o jornalismo atual. “Defender sinceramente a democracia, pelo que achamos essencial, não convém, porque contraria a associação de interesses do grande empresariado”, afirma, sobre os grandes veículos.

“A minha sensação é de que a maioria dos jornalistas não pensa mais sobre jornal e jornalismo”, diz, sobre os profissionais. Janio conversou durante três horas, no Rio de Janeiro, em 15 de janeiro de 2020, com os jornalistas Adriana Franco, Décio Trujilo, Mário Magalhães, Norian Segatto e Paulo Zocchi. Também respondeu perguntas enviadas por Maria Inês Nassif, Juca Kfouri e Lalo Leal Filho do Conselho Editorial do Unidade.

 

Paulo Zocchi: Queria começar lembrando aquela matéria de 1987, da Ferrovia Norte-Sul, que foi um marco, mas no dia nem foi manchete.

Janio de Freitas: O Leão (Serva) tentou fazer a manchete e o Bóris (Casoy) tinha posição contrária e conversou com o (Octávio) Frias. Os argumentos eram uma ressalva em relação a segurança da minha informação e da repercussão, do efeito político que podia ter para o jornal. O Bóris usava muito essa argumentação e colou. Havia nesse tempo e anos depois esse negócio de vender: “você não vende, pô? Então, não vai para primeira página porque você não vende”, ele me disse uma vez. E eu respondi: “Eu não vendo porque não sou camelô. Você ganha para ler e escolher a primeira página, não sou eu que ganho para isso. Mas hoje eu não vou para a primeira por outros motivos.

 

Paulo Zocchi: Que avaliação você faz do jornalismo nesse momento do Bolsonaro? Em que estado você vê a imprensa hoje?

Janio de Freitas: A imprensa está tão confusa, tão incapaz de saber o que ela é que eu não sei o que está em maior estado de confusão, se o governo Bolsonaro ou se a imprensa brasileira. Ela permite que as suas características de linguagem se alterem a ponto de a gente ver adjetivos dirigidos ao Bolsonaro, de um peso que nunca se tinha visto na imprensa brasileira, dirigido a um governante. Tem havido coisas abjetas. Se ela permite isso, supõe-se que esteja admitindo que haja algo importante nisso. De outra parte, ela está vendo esse tipo de doidice das Damares, Ricardos Salles, Waintraubs, pessoas que ela critica, reconhecendo explicitamente inclusive em seus editoriais que o país está regredindo. Mas combina essa atitude com a tolerância ao governo. Uma das duas coisas está errada.

 

Paulo Zocchi: A identidade com a pauta econômica do governo pelas empresas jornalísticas explica essa postura dócil ante o que governo faz e a maneira que ele age?

Décio Trujilo: O preço a pagar pela pauta econômica é tolerar barbaridades em outras áreas?

Janio de Freitas: Possivelmente, sim. Mas eles não precisariam pagar esse preço. O governo Lula mostrou isso. Eles eram contrários ao Lula, mas o toleraram sem precisar ceder, sem essa duplicidade de atitude que há hoje. Não é necessário tolerar desaforos e maluquices para ter um resultado que, ao final das contas, não é tão bom. Pelo contrário. Em novembro, a imprensa, jornais e tevês explodiram essa coisa de retomada. Agora publicaram discretamente que a indústria caiu de novo. É outra vez o petróleo segurando e veio o preço da carne. É aquela história do chuchu do Mario Simonsen. Não foi o preço da carne. É uma política econômica desarticulada.

 

Mário Magalhães: Qual é a responsabilidade da imprensa na eleição do Bolsonaro?

Janio de Freitas: Imensa. Só o apoio indiscriminado à Lava Jato contra o PT até a prisão do Lula já foi uma participação tão efetiva quanto a mais efetiva das outras participações. Rádio, tevê e jornais foram muito importantes, e vão ser de novo. Já estão começando. Será que não está na altura de examinar essa candidatura Huck? Só sai coisa favorável. Quem é esse cara, o que ele pensa, de onde vem essa mania de ser candidato à presidência? E porque o apoio do Fernando Henrique, que já escreveu um monte de coisas favoráveis e até agora não disse porque o Luciano Huck deve ser presidente, o que justifica essa candidatura? Não saiu em nenhum jornal e nenhum repórter se interessou por ir verificar isso. E o próprio Bolsonaro. Se abrissem o jogo sobre quem era o Bolsonaro no começo, Bolsonaro não teria conseguido sobreviver. A história dele o eliminaria.

 

Maria Inês Nassif*: Como você analisa o jornalismo dos grandes meios de comunicação hoje? Vê semelhança com a mídia pré-golpe de 1964?

Janio de Freitas: Semelhanças e diferenças. Semelhanças, sobretudo, de um certo tempo para cá, quando foi abandonada a tentativa, a ilusão ou a esperança de se fazer um jornalismo independente de conexões políticas. Isso terminou e, neste sentido, voltou-se ao jornalismo pré-1964, em que os jornais tinham cada qual sua linha política, a sua linha partidária, quase declarada – não era uma coisa oficial, mas oficiosa. Essa deformação começou a voltar com o governo Fernando Henrique; os jornais ficaram num “fernandismo” que os deformou; baixou e generalizou-se um complexo de Gazeta Mercantil, com manchetes econômicas dia e noite em linguagem tecnocrata, e disso os jornais não se livraram mais, não inteiramente. Apesar dessa retomada, também há – chega a ser engraçado – um esforço para fingir que não é assim. O que é uma característica da atualidade e isso não havia no pré-64.

 

Paulo Zocchi: Em outros países, jornais têm alinhamento partidário, mas o expressam na parte opinativa, nos editoriais, e o noticiário é independente. Quando levanta esse problema, você se refere ao fato de que aqui a postura partidária contamina tudo.

Mário Magalhães: Quando você cita Fernando Henrique é isso?

Janio de Freitas: O governo Fernando Henrique e a fase subsequente. O noticiário ficou muito comprometido. A Lava-Jato é um caso escandaloso e ficará como um caso histórico. Nem ao menos houve uma certa habilidade ou interesse em não caracterizar tanto como uma coisa que vinha pronta e era indevidamente engolida, aceita, passada para o leitor sem sequer um mínimo de exercício jornalístico de reportagem, de verificação. Como vinha, ia. Soltava aquelas bombas “pessoal e diretores levaram 10 bilhões”, pá!, manchete. Nenhum jornal exigiu das suas equipes, muito pelo contrário, que houvesse um mínimo de seriedade na consideração no exame dessas informações, desses chamados vazamentos.

 

Décio Trujilo: E aparece a partir do governo FHC?

Janio de Freitas: Depois da ditadura ou a partir do governo Fernando Henrique, ficou aquela coisa do tentar disfarçar que não era assim; “somos independentes”, querendo dizer descomprometidos, mas não era esse jornalismo que estava sendo praticado, pelo contrário. O governo Fernando Henrique gozou de uma proteção que exigiu frequentemente omissões, sonegações e olhos fechados para coisas graves como, por exemplo, para citar uma gravíssima, a compra da fazenda dele com o Sérgio Mota. Ali havia coisas incríveis: o valor era falso, a origem do investimento era inexplicada, o sigilo a respeito da compra. O caso Sivam, por exemplo, que foi motivo de queixas dele a meu trabalho, é um caso absurdo. Fernando chegou a dizer que foi entregue a Raytheon (empresa norte-americana beneficiada) porque o Clinton pediu. Se isso não é manchete em todos os jornais do país, se não dá inquérito, se não justifica um pedido em consideração de impeachment, o jornalismo e o país estão em um caminho gravissimamente deturpado, para não dizer infiel aos interesses do país.

 

Norian Segatto: Na Lava-Jato, o que aconteceu, preguiça dos jornalistas ou uma deliberação? Em outras épocas havia uma imprensa também conivente com governos, mas havia jornalistas que furavam essas bolhas.

Janio de Freitas: Não se pode esquecer a obstinação para desgastar o PT, a possibilidade de presença do PT com Lula na eleição, e isso levou à tentação de não perder tempo em verificar nada, parar para pensar porque aquilo estava acontecendo, de onde é que vem isso, de onde é que vem esses chutes de 10 bilhões… Nenhum fato apurado, nenhuma comprovação. A queda nessa tentação caracterizou a relação da imprensa com a Lava-Jato. Não foi jornalismo, foi política e veio de longe, como uma deformação progressiva desde o governo Fernando Henrique, prosseguiu e não acabou com a Lava-Jato. No impeachment houve. Vão dizer que é o petismo do Jânio, mas eu nunca fui petista nem de partido nenhum. E ainda que fosse petista, é óbvio que o tratamento do assunto impeachment seguiu o modelo Lava-Jato. Tratava-se de aproveitar a oportunidade de tirar a Dilma, que era tirar a base de poder que serviria à candidatura Lula.

 

Paulo Zocchi: E como prosseguiu esse vício da imprensa após o FHC?

Janio de Freitas: Do Fernando Henrique para o Lula tem uma coisa interessante ainda não estudada. São os “fernandistas”, que foram anti-Lula na campanha e nas preliminares do governo do Lula, mas que começaram a traduzir sua surpresa em propaganda pró-Lula. Foram um fator importante para a vitória do Lula para o segundo mandato. Depois eles retornam, apesar do êxito do Lula reconhecido por eles, que os surpreendeu e empolgou. Basta ver o nível de investimento privado no Brasil que, em geral, é baixo. Investidor brasileiro gosta de investir na bolsa, investir em indústria faz o cara ter que trabalhar, o que não é próprio do empresário brasileiro. Mas no governo Lula teve crescimento industrial.

 

Paulo Zocchi: Foi a estatística, nesse caso.

Janio de Freitas: Sim. No caso do Lula, houve crescimento industrial de fato muito bem expresso pelo crescimento do emprego. Esse crescimento do emprego atestou o crescimento efetivo da indústria. Então, apesar disso e do entusiasmo, da satisfação e da realização do capital que o governo Lula gerou, eles se põem repentinamente contra o PT,  Dilma e Lula. Essa coisa contra o Lula vem da eleição da Dilma, não foi dois, três anos depois. Já na disputa da Dilma, foi nítida a mudança de posição da chamada burguesia.

 

Norian Segatto: Teve uma mudança de posição, ou só explicitou uma questão de classe e ideológica que já era dela?

Janio de Freitas: Posição ideológica é sempre relativa, porque se tilintarem algumas moedas, a ideologia afrouxa, abre um pouco as pernas. E foi o que aconteceu, não foi uma mudança ideológica em favor do Lula, a ideologia continua a mesma.

 

Mário Magalhães: Uma conveniência movida por questões terceiras.

Janio de Freitas: Claro. Onde é que está o lucro? Mas curiosamente, e não se estudou o que foi que aconteceu, como é que se processou isso? Subitamente há uma reversão de posição e eles voltam a ficar hostis ao Lula e, por consequência, ao PT e à Dilma. Então, repentinamente isso se repõe. Por quê? Alguma força induziu a isso? Se houve força, foi nacional, foi só nacional? A meu ver, não.

 

Décio Trujilo: Não foi só nacional?

Janio de Freitas: Se você citar na história da América Latina, desde meados do século XIX, algum episódio político importante que não tenha alguma presença de interesse americano… se descobrir algum, me conta, porque eu não sei de nenhum. Tem porcariazinha, mas episódio significativo eu nunca encontrei nenhum. Mais explícita ou menos, descoberta logo ou só muito depois. Do século passado, então, isso chega a ser clássico.

 

Décio Trujilo: Explícito e ostensivo, sem nenhuma preocupação de ocultar.

Janio de Freitas: É. Já se defendeu que 1930 fugiu essa regra, mas não muito. Houve a recessão americana, o desastre da bolsa, o reflexo no café, e as jogadas dos Estados Unidos com relação ao café brasileiro. Não sabiam o que ia dar com essa revolução, que virada era essa. Não estar diretamente na origem não significa que eles não se fizessem presentes em alguma altura e, depois, começam questões como na área de minérios.

 

Décio Trujilo: Os grandes veículos procuram se colocar como defensores da democracia. Quão defensores da democracia eles realmente são?

Janio de Freitas: Por um lado, eles são de fato defensores da democracia, porque ela é importante para a vitalidade dos meios de comunicação. Sem uma dose respeitável de liberdade de expressão, a coisa se complica. Ou acaba acontecendo o que houve no tempo do Getúlio, que precisou criar o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), uma maneira de intermediar apoio aos jornais, que perderam brutalmente circulação por causa da censura e do medo. O próprio governo que os oprimia, com a outra mão os mantinha. Então, na medida do próprio interesse, eu acho que eles de fato fazem uma defesa pelo medo da censura que possa alcançá-los. Eles exacerbam essa defesa com entidades do tipo Associação de Rádio e Televisão, Associação de Jornais e não sei o quê. Volta e meia a gente vê umas notas que não aguentariam uma análise simples pela incoerência.

 

Mário Magalhães: E por outro lado?

Janio de Freitas: Por outro lado, defender a democracia, ou defender sinceramente a democracia pelo que nós achamos essencial, não convém a eles porque contraria a associação de interesses da grande mídia, grande empresariado, grandes exportadores, grandes industriais, sistema financeiro, bolsa. Aí, a democracia não é uma coisa conveniente, é até certo ponto indefensável.

 

Paulo Zocchi: Eles têm um dilema.

Janio de Freitas: É uma situação complicada que exige, para ser mantida, um exercício do poder que não pode ser plenamente democrático, porque vai ferir interesses. O grande débito econômico-social não é do Estado, é do setor privado. Quando se fala no desiquilíbrio, na desigualdade, não é em relação ao que o Estado possui, concentra ou acumula. É em relação ao lado privado. Para você corrigir a desigualdade, é aí que tem que mexer. E eles sabem disso, como nós sabemos e como todo mundo sabe porque é óbvio.

 

Paulo Zocchi: Nós somos um sindicato e vê nas redações um conflito, porque o jornalismo por definição é comprometido com o direito social da informação e o jornalista tem que ter uma autonomia. Mas no Brasil, ele trabalha numa empresa privada que tem poder de mando sobre essa autonomia. Como você vê esse problema?

Janio de Freitas: Essa questão é complicadérrima. O trabalho convencional de repórter, que vai pescar notícias convencionais, não comporta, a meu ver, uma liberdade conceitual, opinativa, mas você tem também no trabalho de reportagem um tipo de temática que exige sensibilidade, cultura, patrimônio informativo e histórico de que o repórter dispõe. Isso faz parte do aproveitamento mais profundo e extensivo do tema a que ele se dedicou. Você enriquece o tema com sua contribuição pessoal. Quando a gente vai para o comentarismo, a autonomia tem que ser absoluta. Isso sintetiza a visão que eu tenho do papel do jornalista. Considero o jornalismo um serviço de utilidade pública destinado a dotar a cidadania das informações e dos subsídios para que ela seja livre, ativa e consciente. Ser consciente e não ser ativo, não adianta nada. Ser ativo, sem ter uma consciência política consolidada e lúcida, também não. E essas duas coisas sem ser livre, menos ainda, então eu acho que essa combinação que faz a essência do jornalismo e leva a gente a se perguntar o quanto ela existe.

 

Norian Segatto: Na sua última coluna (“Uma espécie em extinção”, de 12 de janeiro de 2020), você rebate a declaração do Bolsonaro sobre o jornalista como raça em extinção. Um estudo em São Paulo mostra que encolheu pela metade o número de jornalistas contratados. Afinal, o que está em crise, a relação de trabalho, o negócio jornalístico, o jornalismo em sua função de ser um olhar crítico na sociedade?

Janio de Freitas: A meu ver, nada disso. A meu ver o que está em crise é o jornalista. Eu não vejo a crise da imprensa senão como consequência de uma crise anterior, preliminar, que é a crise do jornalista.

 

Paulo Zocchi: Do profissional jornalista?

Janio de Freitas: Sim. O jornalismo vinha de um marasmo doloroso quando, de repente, levou um susto com a internet. Aí, veio uma sucessão de erros exatamente do jornalista por completa ausência de pensamento crítico sobre a sua atividade e sobre a realidade no qual a sua profissão se exercia. Um exemplo: a internet começa divulgar as primeiras notícias. O que fazem os jornalistas? Porque não foi o porteiro do New York Times que pensou nisso, foi o jornalista. Como o arquiteto faz quarto de empregada desse tamaninho sem janela e inventa banheiro sem ventilação para ser mais aceito pelos incorporadores, o jornalista foi pelo mesmo caminho. Criaram a oferta gratuita do noticiário. Se eu vivo de vender tomate, eu não posso distribuir tomate de graça. Os jornais começaram a criar as suas páginas na internet, antecipando o que seriam no dia seguinte. Então, como os jornalistas eram mais ou menos os mesmos e não se pensava nada de um lado ou de outro um imitava o outro. Até hoje, se você abre a página do UOL, a base daquilo ali é uma imitação do que é a primeira página de um jornal que por sua vez passou a imitar a linguagem da internet, o tamanho de notícia da internet e até a temática da internet. Isso é uma maluquice total.

 

Décio Trujilo: Um tiro no pé.

Janio de Freitas: Sim. O jornal fortaleceu o lado jornalístico da internet sem procurar uma solução diante desse novo objeto de informação que ele precisava enfrentar. Já tinha enfrentado o rádio, passou pelo rádio; depois, a televisão, eu fui contemporâneo, foi uma tremenda de uma pedrada aqui e até mesmo do que nos Estados Unidos, e os jornais tiveram que se virar. O rádio tinha sido uma cassetada. Primeiro, quase ao vivo, porque os caras passavam para o estúdio que colocava no ar, e depois, ao vivo mesmo. Quando passou a ser ao vivo foi um susto desgraçado. O lide, dizem, nasceu para tornar o texto objetivo. Não foi isso, não. Porque você pode usar lide e não fazer um texto objetivo. O lide foi uma solução muito criativa e bem bolada para criar um impacto informativo no jornalismo impresso correspondente ao impacto da notícia que o rádio estava oferendo. Esse tipo de busca, de procura e de solução até hoje não foi praticado em nenhum segmento jornalístico profissional em relação à internet. Recuam, recuam, vão perdendo, perdendo, estão hoje cada vez menos jornalísticos. A moça que no carnaval terá cílios e boné bastante vendáveis dá uma página inteira na Folha. Você abre, bate naquilo e fica com vergonha. Eu sinto vergonha.

 

Décio Trujilo: Anos atrás caiu um avião em São Paulo às 4 horas da tarde, a cidade parou, o rádio deu, a televisão deu, a internet deu. No dia seguinte, a manchete dos grandes jornais era “Avião cai em São Paulo”. Faz sentido pagar por um jornal que dá de manchete, sem avançar, uma notícia que estamos acompanhando há 16 horas?

Janio de Freitas: Há sempre o que apurar a mais em relação a um fato. Nenhum fato é fechado. Nenhum fato é circular. Ele tem sempre uma origem aquém do círculo em que será percebido e uma consequência além do círculo que está sendo percebido. É exigência do jornalismo diário ir procurar nessas duas possibilidades, além de outras que possa haver. Quem morreu nesse desastre? O que se perdeu de conhecimento? Tinha um físico que estava na bica de achar a solução para uma doença e agora danou-se porque não vai mais se achar. E vai por aí afora, então você tem um monte de possibilidades, inclusive na origem.

 

Mário Magalhães: O que você acha que foi ali? Foi falta de alguma coisa, foi preguiça?

Janio de Freitas: Foi isso mesmo que está acontecendo não só com esse caso. Acontece todos os dias. O jornalismo brasileiro está em estado de coma. De vez em quando alguém sacode, aí dá um vazamento e aproveita e tal. Vem o Glenn e traz.

 

Mário Magalhães: Após a vitória do Bolsonaro, você escreveu na Folha que o maior perigo era sobre o jornalismo:  “a reação intimidada da imprensa, pouco menos que inexistente. Atitude que, na ótica de Bolsonaro e seu ciclo, só pode significar o início da domesticação buscada pelo autoritarismo aqui e fora. Sempre que a imprensa não respondeu com altivez aos ataques autoritários, sua tibieza foi debitada na conta da liberdade”. Nesse primeiro ano do governo Bolsonaro, você viu um jornalismo com altivez ou tibieza.

Janio de Freitas: Tibieza. Porque não enfrentou, como você leu aí. Ele espinafra jornalista, espinafra a Folha, espinafra a Globo, espinafra o Globo. Qual foi a reação até agora?

 

Mário Magalhães: Editoriais.

Janio de Freitas: Encararam? Acho que não. Mais uma vez o presidente faz uma crítica sem fundamento contra o espírito democrático e a imprensa. Se a imprensa não for livre, a democracia desmorona. E é assim que se enfrenta um cara se portando como totalitário? Que eu saiba, não.

 

Mário Magalhães: Como se enfrenta?

Janio de Freitas: Respondendo à altura. Você sabe escrever e sabe pensar. Essa é uma atitude absolutamente totalitária e inconstitucional, porque é contra os princípios de liberdade de imprensa e pensamento escritos na Constituição. Não são próprios de um Presidente da República e exigem uma atitude em defesa dos princípios da Constituição. Se eu caluniar você, você vai fazer o quê? Vai me processar ou vai dizer: “que isso?”

 

Norian Segatto: Há uma série de escândalos que rondam o governo, os filhos do Presidente, o caso da Marielle… acha que há uma ausência de investigação da imprensa nesses casos para que não vão a público?

Janio de Freitas: O caso da Marielle começou com uma grande confusão, mas depois passou a sugerir possíveis relações complicadas com a milícia, com pernas e braços do poder, e aí eu tenho a impressão – e impressão, só – que isso acabou determinando não apenas o comportamento da polícia, como da imprensa. É um assunto complicado, começou a pintar Queirós, que lembra Flávio, que lembra o Bolsonaro. E aí ficou um assunto explosivo, então é melhor não

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