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Publicidade da reforma da Previdência no Google fere direito à informação

Publicidade da reforma da Previdência no Google fere direito à informação

Há poucos dias foi noticiado que o governo de Michel Temer avalia mais uma forma de tentar ganhar defensores para a impopular reforma da Previdência. Desta vez a estratégia seria contratar plataformas de buscas do Google para oferecer resultados customizados de acordo com o perfil do cidadão para pesquisas sobre o termo.

A notícia se soma às informações assombrosas sobre os altos gastos públicos do governo federal com publicidade relacionada à difusão da posição do governo quanto à reforma da Previdência e a negociações escusas com veículos de comunicação por verbas oficiais. Acende-se, assim, um alerta sobre os limites da publicidade oficial.

Em abril de 2017, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma notícia segundo a qual o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, criou uma estratégia para que deputados e senadores indicassem veículos de comunicação para receberem verbas publicitárias, sob a exigência de que seus locutores e apresentadores mais populares, principalmente no Nordeste, explicassem as mudanças da reforma da Previdência sob um ponto de vista positivo.

A notícia é escabrosa, não apenas porque fere o direito de acesso à informação da população, à medida que impõe uma linha editorial – o que vai muito além de comprar espaço publicitário –, mas também porque fortalece laços entre políticos e meios de comunicação, no contexto da já frágil independência da mídia brasileira.

O conteúdo da publicidade oficial acerca da reforma da Previdência já foi questionado na Justiça duas vezes, com determinação de suspensão da veiculação. Em março, a juíza Marciane Bonzanini, da 1ª Vara Federal de Porto Alegre (RS), em resposta a uma ação civil pública de autoria de nove sindicatos trabalhistas do Estado do Rio Grande do Sul, analisou os conteúdos disponibilizados no site do governo federal e concluiu que “a campanha publicitária retratada neste feito não possui caráter educativo, informativo ou de orientação social, como exige a Constituição em seu art. 37, § 1º. Ao contrário, os seus movimentos e objetivos, financiados por recursos públicos, prendem-se à mensagem de que, se a proposta feita pelo partido político que detém o poder no Executivo federal não for aprovada, os benefícios que compõem o regime previdenciário podem acabar”, conforme registrado em reportagem do Estadão Broadcast.

A magistrada lembra que, da forma como foi feita, a publicidade da reforma da Previdência não tem o objetivo de informar a população, mas de tentar convencê-la. “Não há normas aprovadas que devam ser explicadas para a população; não há programa de Governo que esteja amparado em legislação e atos normativos vigentes. Há a intenção do Partido que detém o poder no Executivo federal de reformar o sistema previdenciário e que, para angariar apoio às medidas propostas, desenvolve campanha publicitária financiada por recursos públicos,” argumentou para concluir que houve “uso inadequado de recursos públicos” e “desvio de poder que leva à sua ilegalidade”.

Em novembro, deputados e senadores aprovaram um projeto de lei autorizando o repasse de R$ 99 milhões para publicidade relativa à reforma da Previdência. Isso diante do discurso oficial de restrição dos gastos públicos.

No início de dezembro, a juíza federal Rosimayre Gonçalves de Carvalho, da 14ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal, atendeu a um pedido de medida liminar apresentado pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e suspendeu a veiculação das peças de campanha a favor da reforma da Previdência intitulada “Combate aos Privilégios”.

“A campanha não divulga informações a respeito de programa, serviços ou ações do governo, visto que tem por objetivo apresentar a versão do executivo sobre aquela que, certamente, será uma das reformas mais profundas e dramáticas para a população brasileira”, escreveu Rosimayre, que registrou também o risco de a população ser “manipulada” por tal publicidade oficial.

Em ambos os casos, as suspensões foram revertidas por tribunais regionais federais, em evidente disputa no Judiciário. Ainda assim, é necessário observar a coerência argumentativa das ações de suspensão. A justificativa para a suspensão se repete também em ação do Ministério Público Federal (MPF).

Em dezembro, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, entrou com ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a propaganda do governo sobre a “reforma da Previdência Social”. O argumento usado pelo MPF é de que a publicidade oficial deve se voltar para a informação, e não para convencimento da população sobre um programa de governo ainda em processo de análise e votação no Congresso.

Manipulação digital

Ainda que a publicidade oficial acerca da reforma da Previdência seja abusiva e ilegal, a nova cartada, de customizar as buscas online de acordo com o perfil do cidadão, pode ser ainda mais grave: ela não apenas direciona publicidade voltada à manipulação e não à informação, como argumentam os magistrados, mas ainda afasta conteúdos com pontos de vista distintos, relegando-os a posicionamento inferior nos resultados de busca. É uma afronta ao direito de acesso à informação e à liberdade de expressão, à medida que apenas cidadãos informados podem emitir opinião livre e consciente.

A ação ocorre justamente no momento em que o Supremo Tribunal Eleitoral (STE) discute as regras para o impulsionamento de publicidade de campanhas eleitorais e eleva a necessidade de se debater o uso de dados pessoais para fins de publicidade político/partidária.

Uma preocupação urgente é com a transparência com relação à publicidade política impulsionada. Uma vez que a publicidade online pode ser individualizada e variar de acordo com o perfil de cada usuário, é essencial que se garanta a possibilidade de controle social. Neste caso, como poderia a Justiça avaliar a ação – seja de publicidade oficial, seja de campanha eleitoral – para verificar sua legalidade?

O mínimo a se exigir é transparência com relação ao conteúdo priorizado, tanto na plataforma de buscas, quanto na de vídeos, como o YouTube. O conteúdo impulsionado deve ser discriminado como publicidade, como exige a legislação.

E, com o objetivo de que qualquer pessoa possa ter acesso a esses dados, devem ser disponibilizados quais conteúdos foram impulsionados, ainda que em área de Transparência da Secretaria de Comunicação.

Por último, vale ressaltar que a discussão é ainda mais grave, porque o Brasil não dispõe de uma Lei Geral de Proteção de Dados, o que torna brasileiros e brasileiras ainda mais vulneráveis com relação às práticas de perfilamento.

Aqui as informações sobre os internautas são coletadas, armazenadas, tratadas, vendidas e utilizadas basicamente de acordo com os critérios definidos em termos de uso e de privacidade estabelecidos pelas próprias empresas que lucram com dados pessoais.

Sem uma esfera mínima de controle dos dados pelos cidadãos e a definição de regras justas para seu uso, o risco de manipulação a partir do impulsionamento de conteúdo político é ainda maior.

Escrito por Marina Pita, jornalista e coordenadora do Intervozes

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