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O primeiro abraço: dor, luto e resistência

O primeiro abraço: dor, luto e resistência

“O primeiro abraço”. A foto acima, captada em 5 de agosto de 2020, em São Paulo, tornou-se a grande vencedora do World Press Photo 2021. Seu autor é o dinamarquês Mads Nissen, de 41 anos, que veio ao Brasil no ano passado, assim que visualizou a amplitude do desastre em curso com a pandemia. Nissen, que já havia vencido o prêmio em 2015, atendeu prontamente ao contato da jornalista Adriana Franco, do “Unidade”, após o anúncio do prêmio, em 15 de abril, respondendo suas perguntas e enviando as fotos para a composição da seção de fotojornalismo da edição 410 do Jornal Unidade.

Confira abaixo a entrevista na íntegra.

Unidade – Como aconteceu de você vir cobrir a pandemia no Brasil?

Mads Nissen – Morei na vizinha Venezuela quando tinha 18 anos de idade. Sou casado com uma colombiana e já fiz duas coberturas fotográficas na região antes. Senti uma grande urgência de vir ao Brasil e documentar a crise sanitária com os meus próprios olhos. Dos cemitérios às favelas, vi o sofrimento e o luto, mas também a resistência, a esperança e a cordialidade que são tão vivos na cultura brasileira. Estas são algumas das emoções que eu espero que a minha imagem “O primeiro abraço” possa transmitir.

Nesta viagem, vi um belo povo devastado não apenas pelo vírus, mas também pelos erros e as políticas irresponsáveis do seu próprio presidente. O número de mortos no Brasil é impressionante, mais de 355 mil mortes em abril de 2021 [no momento da entrevista, NdE], um dos mais altos em todo o mundo. O presidente Bolsonaro continua a negligenciar a pandemia, que ele descreveu como uma “gripezinha”. Ele se recusou a aplicar qualquer uma das medidas reconhecidas internacionalmente para mitigar o estrago causado pela covid-19 e proteger sua própria população.

Unidade – Como você fez a foto premiada?

Mads Nissen – Durante a minha apuração, ouvi falar desta incrível criação chamada de “cortina do abraço”, uma grossa folha de plástico transparente, com dois pares de mangas que as pessoas podem usar para abraçar umas às outras sem risco de contaminação. Achamos duas casas de moradia para idosos em São Paulo nas quais os funcionários estavam prestes a usá-la pela primeira vez, e fomos lá. As emoções na primeira casa de repouso foram fortes, mas visualmente foi uma bagunça. O espaço era muito pequeno, a luz, ruim, e até o plástico não saía bem nas fotos. Fiquei frustrado. Perto, no entanto tão longe. Um pouco desiludidos, fomos para a segunda residência.

Que visão me aguardava quando entrei na casa Viva Bem! Aqui, a “cortina do abraço” havia sido montada no vão da porta da capela. Um belíssimo sol sul-americano estava brilhando bem sobre nós, o fundo estava escuro, e, o mais importante, os idosos, seus parentes e os funcionários estavam muito animados e emotivos em antecipação pelo que ia se desenrolar. Os idosos residentes estavam isolados por cinco meses, com um contato físico muito limitado. Mas sabiam que, em poucos minutos, finalmente ganhariam um abraço!

Eu procurava por símbolos e metáforas, um tipo de emoção humana universal que transcende tempo e espaço. Essa é a imagem fotográfica que eu amo acima de tudo. A fotografia na qual sou tocado por mim mesmo. Então, tentei chegar ao cerne, mantendo tudo simples. Ângulos retos, sem fundos, só a pura emoção.

Foi assim que fiz esta imagem de Adriana abraçando Rosa. Apenas fiquei ali com a minha câmera, um pouco emocionado. Foi tão alegre e comovente testemunhar todo esse amor e ternura neste país que está sofrendo tanto durante esta pandemia mortífera.

Alguns idosos chegavam em cadeiras de rodas e eram levantados delas para a cortina. Alguns pareciam quase não entender o que estava acontecendo, ou o que estava sendo explicado a eles pelas enfermeiras, mas quando levantavam e eram abraçados, com braços cuidadosamente envolvendo seus corpos, pareciam compreender perfeitamente a linguagem do amor.

Eu sabia que tinha obtido imagens fortes, mas quando olhei para a minha câmera mais tarde naquele dia, esta imagem em particular me pegou completamente vulnerável e, por um momento… tudo era… silencio.

Unidade – Como você se sente por ter ganho o World Press Photo?

Mads Nissen – Num ano tão significativo, e num momento tão significativo da história, sinto-me profundamente honrado em receber este prêmio com o conjunto de um trabalho que não apenas documenta a dura brutalidade desta pandemia, mas pode também inspirar esperança, compaixão e solidariedade entre todos nós.

Para mim, esta imagem honra a todos que sofremos como resultado desta crise mundial: aqueles que passaram meses no medo e no isolamento; as mães e pais que perderam seus trabalhos, casas e os meios de prover suas crianças; e é um humilde gesto de respeito pelos três milhões de pessoas que já morreram por conta deste vírus no mundo. É também um tributo à humanidade, que apesar do sofrimento e do luto, tem esta incrível habilidade de resistir, de manter a esperança – de improvisar! –, de espraiar a solidariedade e a compaixão, por um amanhã melhor para todos nós.

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