O jornal Folha de S.Paulo noticiou nesta segunda-feira (20/03) a ordem de um gerente da Agência Brasil de diminuir a cobertura sobre a execução de Marielle Franco e Anderson Gomes no Rio de Janeiro. Ontem (19), o gerente-executivo da Agência, também por email, ordenou que a sucursal da empresa no Rio de Janeiro deixe de fazer a cobertura de manifestações motivadas pelo brutal crime por considerar o tema “repetitivo” e “cansativo”.
O governo, assim, diz que auxilia a investigação do caso, mas pede que diminua a cobertura pela EBC. Um jogo duplo grave contra a democracia. Um dos chefes da mesma Agência Brasil, citado pela Folha, foi assessor, por 6 anos, do atual ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, e do Ministério da Defesa. As ordens dele, nas últimas semanas, são de um relações públicas, exigindo a cobertura de todas as ações da intervenção, incluindo pautas menos relevantes, como a distribuição de flores pelos militares, na Vila Kennedy, e da revista em infantil, o Recrutinha, em São Gonçalo. Desta forma, tem sobrecarregado a pequena equipe da sucursal, impedida de fazer a cobertura aprofundada do tema, mostrando os problemas históricos na segurança pública do Estado.
O fato é grave somado ao contrato com a Agência Nacional de Água (ANA), que sobrecarrega as equipes, prejudicando a cobertura de diversas notícias, como a própria investigação sobre o caso da execução da vereadora e de seu motorista. Os Sindicatos, Comissão e representantes abaixo assinados reiteram que esse contrato, de 1,8 milhão de reais com a ANA para a cobertura do Fórum Mundial da Água, viola a independência e a autonomia editorial da EBC.
Esta “prestação de serviço” – conforme interpretação legal propositalmente equivocada da diretoria da EBC – não pode colidir com as diretrizes fixadas em lei para os veículos públicos. Não há explicação razoável para que essa cobertura paga não tenha sido feita pelo canal de TV NBR e pela Voz do Brasil, cujo conteúdo é orientado pela Presidência da República. Com o contrato ilegal, alertamos que ANA e governos estaduais e federal conseguem intervir no conteúdo, sempre a seu favor.
O nível da censura chegou a barrar posições críticas à empresas patrocinadoras do evento e atingiu o ápice com a demissão do chefe de Redação da Agência Brasil, em São Paulo, o jornalista Décio Trujilo, há poucas semanas, por pressão do governo de São Paulo, depois de matéria que desagradou, sobre problemas no abastecimento em SP. Vale lembrar que, enquanto a Agência Brasil publica cerca de 10 matérias por dia sobre o Fórum Mundial da Água, devido a sobrecarga dessa cobertura paga, a EBC, pela primeira vez desde de sua criação, deixou de cobrir o Fórum Social Mundial e mal vem cobrindo o Fórum Mundial Alternativo da Água, que reúne ambientalistas e especialistas críticos ao fórum oficial. Importante destacar que ambos os fóruns têm cobertura da mídia comercial, dadas suas relevâncias.
Assim, as entidades, em resposta à demanda dos trabalhadores e trabalhadoras, pontuam três questões básicas direcionadas aos colegas, nas coberturas em todas as praças:
1) Aqueles que se sentirem constrangidos pelo contrato, por seus problemas legais ou editoriais, têm todo o direito de se recusar a produzir, escrever, editar e finalizar os diferentes conteúdos. O amparo está no Código de Ética dos Jornalistas (Cláusula de Consciência) e também no Código de Ética da própria EBC. Ambos garantem aos profissionais a discordância de uma cobertura imposta, com características ilegais.
2) Há também o direito de não assinar as matérias ou, no caso da televisão, de não gravar a “passagem” (momento em que o jornalista mostra seu rosto na reportagem). Isso também encontra amparo na Cláusula de Consciência estabelecida pelo Código de Ética dos Jornalistas. Ao informar a chefia sobre tal procedimento, pode ser citada a cláusula referida:
“Capítulo IV – Das relações profissionais Art. 13. A cláusula de consciência é um direito do jornalista, podendo o profissional se recusar a executar quaisquer tarefas em desacordo com os princípios deste Código de Ética ou que agridam as suas convicções”. Ainda, o Manual de Jornalismo da EBC, na página 38, deixa claro que o apoio financeiro não está incluso nas possibilidades de cobertura jornalística da empresa: “Como regra geral, a EBC não recebe apoios externos para a realização do trabalho jornalístico. Contudo, algumas coberturas podem receber apoio logístico e operacional de órgãos do governo ou de instituições públicas e privadas. Para que não haja conflitos de interesses é necessário considerar a motivação do apoio proposto. Se o assunto merece ser abordado mesmo sem a existência do apoio, se a produção for inviável sem o apoio, se é motivado pelo interesse público e não busca benefício financeiro, partidário ou promoção do órgão, pessoa ou entidade que ensejou a produção, em conformidade com o princípio da impessoalidade, pode-se concretizar a cobertura. É preciso deixar claro ao público esse apoio”.
3) Assim, por último, seguimos exigindo que as produções textuais para TV, rádio e internet reservem um espaço, inicial ou final, para deixar claro a todos brasileiros que o financiamento desta cobertura foi feito via contrato entre EBC e ANA. Essa informação visa transparência, não possibilitando qualquer forma de dissimulação e garante ao público o direito constitucional à informação. A Lei de criação da EBC é clara ao fixar os princípios e objetivos da comunicação pública, cujo jornalismo não deve ser subordinado a governos, partidos ou órgãos específicos. A EBC existe, a partir de uma demanda da sociedade, para exercer um papel de cobertura jornalística, não de propaganda institucional.
20 de março de 2018
Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ
Sindicato dos Jornalistas do DF, RJ e SP
Sindicato dos Radialistas do DF, RJ e SP
Representantes dos Trabalhadores no Conselho de Administração da EBC
Comissão de Empregados da EBC do DF, RJ e SP