O Ministério Público Federal em São Paulo (MPF/SP) denunciou na última segunda-feira (22/09), um coronel, um delegado e um servidor aposentado pela morte do jornalista e militante político Luiz Eduardo da Rocha Merlino, ocorrida em julho de 1971, durante a ditadura militar. O jornalista foi morto após intensas sessões de tortura, nas dependências do Destacamento de Operações de Informações do II Exército (DOI) em São Paulo.
O coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, o delegado Dirceu Gravina e o servidor aposentado Aparecido Laertes Calandra são acusados por homicídio doloso qualificado. O médico legista Abeylard de Queiroz Orsini, que assinou laudos sobre o óbito de Merlino, também foi denunciado e responderá por falsidade ideológica.
Merlino foi preso em Santos em 15 de julho de 1971 e levado à sede do DOI. Segundo a denúncia, lá, o então major Ustra, que comandava a unidade, e seus subordinados à época (Gravina e Calandra) submeteram o jornalista a práticas de tortura durante 24 horas, ininterruptamente.
Após as agressões, Merlino tinha ferimentos por todo o corpo e não conseguia sequer se erguer. Apesar do quadro grave, ele não recebeu atendimento médico e só teria sido encaminhado ao Hospital Militar do Exército quando já estava inconsciente.
Consultado sobre a necessidade de amputação de uma das pernas do paciente, Ustra teria determinado que os servidores do hospital deixassem-no morrer, para evitar que sinais da tortura fossem evidenciados. Merlino faleceu em 19 de julho, em decorrência das graves lesões que as sessões de tortura provocaram. O chefe do DOI teria ainda ordenado a limpeza da cela onde o militante foi mantido e criado uma versão falaciosa para ocultar as causas da morte.
Atropelamento
Segundo a denúncia do MPF/SP, Ustra criou uma farsa para encobrir a morte do jornalista: Merlino teria se atirado sob um carro durante uma tentativa de fuga. Ele estaria sob escolta a caminho de Porto Alegre para identificar militantes de esquerda, quando durante um descuido dos policiais ele teria se jogado embaixo de um veículo na BR-116. “Para tornar a história verossímil, Ustra mandou que um caminhão a serviço das forças de repressão passasse por cima do corpo de Merlino e deixasse marcas de pneus”, afirma a denúncia.
No Instituto Médico Legal, o médico legista Abeylard de Queiroz Orsini endossou a versão de Ustra ao assinar o laudo sobre a morte, em conjunto com outro servidor do IML, Isaac Abramovitch, já falecido.
“Apesar de saberem as circunstâncias em que Merlino foi morto, ambos omitiram as agressões no documento e atestaram o atropelamento como causa do óbito. Na década de 1990, peritos revelaram uma série de inconsistências nos laudos sobre Merlino e outros militantes políticos mortos na época, todos subscritos por Orsini”, denunciou o MPF/SP.
Pedidos
Além da condenação por homicídio doloso e falsidade ideológica, o MPF quer que Ustra, Gravina, Calandra e Orsini tenham a pena aumentada devido a vários agravantes, como motivo torpe para a morte, emprego de tortura, abuso de poder e prática de um crime para a ocultação e a impunidade de outro. Os procuradores querem também que a Justiça Federal determine a perda do cargo público que os denunciados ocupam atualmente e o cancelamento de aposentadoria concedida ou qualquer outra forma de provento que recebam. Por fim, requerem que, enquanto tramitar o processo, Gravina seja afastado cautelarmente do cargo de Delegado de Polícia Civil de São Paulo, bem como que seja vedado a Orsini o exercício da medicina.
Os procuradores destacam que não se pode falar em prescrição ou anistia nos crimes relatados. “Os delitos foram cometidos em contexto de ataque sistemático e generalizado à população, em razão da ditadura militar brasileira, com pleno conhecimento desse ataque, o que os qualifica como crimes contra a humanidade – e, portanto, imprescritíveis e impassíveis de anistia”, diz trecho da denúncia.
Os membros do MPF citam uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, proferida em novembro de 2010, que determina que o Brasil não pode criar obstáculos à punição de crimes contra a humanidade. Além disso, mencionam um recente parecer do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, segundo o qual deve ser afastada qualquer interpretação que afirme estarem os delitos contra a humanidade cobertos por anistia ou prescrição.
Foto: Arquivo SJSP
Texto: Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República em São Paulo