O presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT) é um notório antissemita, isso é evidente. Como é possível comparar um judeu – no caso, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu – a Adolf Hitler? Isso é um ultraje, um insulto a todos os judeus do planeta. Lula deve desculpas ao povo judeu, ao Estado de Israel e a Netanyahu.
Com variações de tons, ênfases discursivas, arroubos retóricos e lógica argu- mentativa, toda a “grande mídia” – ou mídia comercial, ou mídia corporativa, ou mídia controlada pela meia dúzia de famílias proprietárias, ou qualquer outro nome que se queira dar às empresas que monopolizam a informação no Brasil – carregou nas tintas contra Lula, como reação às suas afirmações, feitas durante uma coletiva de imprensa em Adis Abeba, na Etiópia, em 18 de fevereiro último.
Na ocasião, Lula comparou a ação de Israel na Faixa de Gaza aos massacres de judeus organizados por Hitler. Não disse nada de realmente novo. Ao contrário, suas palavras estavam em consonância com o despacho de 26 de janeiro de 2024 da Corte Internacional de Justiça (CIJ), principal braço judiciário das Nações Unidas, que constatou indícios de prática de genocídio por parte das forças israelenses, e determi- nou medidas para evitar a matança de civis palestinos, incluindo crianças, mulheres, idosos e feridos.
Falsificando os fatos, como é de hábi- to, Netanyahu ofereceu a senha para os ataques a Lula: é um ultraje comparar o que acontece em Gaza ao Holocausto. A “grande mídia” comprou e reproduziu a acusação, assumida de forma oportunista por políticos de um amplo espectro ideológico, incluindo o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e – pasmem – Jaques Wagner (BA), líder do PT na casa. Todos querem ficar bem com a Rede Globo, certo?
Lula jamais usou o termo “holocausto” em Adis Abeba. Lula expressou uma posição correta, honesta, transparente, verdadeira e solidária para com o povo palestino. Netanyahu e seus ministros in- troduziram a expressão, de forma propo- sital, cruel e maliciosa, para embananar o debate e mascarar o genocídio. A mídia e parte dos políticos (que entraram até com pedido de impeachment do presidente, proposto por ninguém menos que a de- putada Carla Zambelli, aquela da pistola) se mostraram mais “indignados” com a “acusação” de Lula do que com o massacre propriamente dito na Faixa de Gaza. Aliás, Jaques Wagner, para ser coerente, deveria apoiar a iniciativa de Zambelli.
Não foi a primeira vez, nem terá sido a última, que a mídia brasileira age como porta-voz do sionismo no Brasil. Basta evocar a “cobertura” do já histórico ataque promovido pelo Hamas, em 7 de outubro de 2023. Segundo as versões in- variavelmente propagadas pela “grande mídia”, o “grupo terrorista” Hamas é o responsável por uma atrocidade da pior espécie, cometida com requintes de extrema crueldade e perversão. Não há qualquer dúvida possível. Aliás, o ato de levantar questões a esse respeito é, por si só, prova de um macabro antissemitismo.
Mas até uma parte da imprensa isra- elense oferece outra possível interpretação dos fatos. Em 19 de novembro de 2023, por exemplo, o Haaretz, um dos principais jornais do país, publicou de- núncias de um oficial da polícia israelen- se, segundo o qual parte das vítimas que participavam da festa rave Supernova foi assassinada por disparos de metralhadora feitas a partir de um helicóptero isra- elense (atenção: jornal israelense, polícia israelense, helicóptero israelense). Mais ainda: emissoras locais de rádio e posts nas redes sociais feitos por moradores de kibbutzim atingidos publicaram depoimentos atestando que suas casas foram demolidas por projéteis disparados por tanques israelenses, não pelo Hamas.
Ninguém encontrará nada disso nos jornais brasileiros, muito menos na Rede Globo e outras emissoras. Ou, se encontrar, será em artigos de opinião, ou nos programas de menor audiência na TV a cabo, aqueles programados para as 23 horas ou mais tarde, destinados a um público “de elite”. A mídia brasileira não faz uma cobertura dos fatos na Faixa de Gaza. Faz pura e simples propaganda sionista.
Mesmo algumas das corporações midiáticas mais importantes dos Estados Unidos – incluindo a rede CNN, The New York Times, The Washington Post e outros – deixam, de vez em quando, escapar notícias e comentários que mostram relances da verdadeira face do nazisionismo, certamente para não perder a credibilidade junto a uma opinião pública cada vez mais indignada e mobilizada graças às redes sociais, em especial jovens e organizações democráticas e progressistas, entre os quais grupos judaicos estadunidenses.
Em 8 de janeiro, por exemplo, Jack Tapper, um dos principais âncoras da CNN – que se diz “judeu, com muito orgulho” e quase sempre se alinha com as posições da Casa Branca – atacou o ministro israelense das Finanças, Bezalel Smotrich, por dizer que “2 milhões” de moradores da Faixa de Gaza são nazistas. “Dois milhões correspondem à popula- ção de Gaza. Então, pensem nisso por um momento. Dois milhões de ‘nazis’ em Gaza? Bebês de dois, três anos de idade, idosas, todos nazistas?”
No Brasil, em contrapartida, a Globo “explica” que o genocídio infantil se deve ao fato de que as famílias palestinas são muito numerosas e isso torna inevitável que as bombas atinjam um maior número de crianças. Não é óbvio?
Claro que há explicações para o comportamento vergonhoso, deplorável e indefensável da mídia brasileira e de boa parte de seus “analistas”, “especialistas” e “comentaristas”, alguns regiamente pagos para distribuir afirmações dementes e criminosas. Este não é o espaço para entrar com detalhes nessa discussão, de resto importante e necessária. Mas a presença de um número impressionante de bandeiras de Israel no ato em defesa de Jair Bolsonaro, em fevereiro, indica um caminho de reflexão.
A defesa do sionismo por parte da extrema direita e de grupos evangélicos pentecostalistas, dos quais Silas Malafia é um ilustre representante, tornou-se um ponto programático da articulação da oposição ao governo Lula, cuja existência, de resto, já foi exposta pelo embaixador de Israel, Daniel Zonshine, que multiplica gestos de provocação ao Planalto. Os senhores da mídia, certamente, sabem o que está em jogo. A absurda tendenciosidade da “cobertura” não é casual nem inocente. A mídia é cúmplice ativa do genocídio. Um preço salto será cobrado por isso.
E conhecemos a história: daqui a quatro décadas, a Rede Globo e assemelhados, se ainda existirem, soltarão editoriais reconhecendo e lamentando o “erro”. Então, tá.