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Laura Capriglione: “Não foi opção virar jornalista livre, foi uma imposição”

Laura Capriglione: "Não foi opção virar jornalista livre, foi uma imposição"

Em entrevista exclusiva, fundadora do coletivo “Jornalistas Livres” fala das novas formas de fazer jornalismo


“Estamos vendo o florescimento de outras formas de narrativa que não passam pelas redações tradicionais. Há jornalistas em vários cantos do país, trabalhando coletivamente para contar histórias que as mídias hoje não contam mais”, afirma Laura Capriglione. Depois de 30 anos de jornalismo, a profissional mudou o rumo da carreira por não aceitar a precarização de seu trabalho nas redações tradicionais.

Uma das fundadoras dos Jornalistas Livres, ela explica que o coletivo surgiu da insatisfação com a cobertura tradicional, que abordava os protestos pró e contra o governo Dilma Rousseff “como se fosse show de rock no Lollapalooza”, e assim disputar a narrativa das manifestações.  Laura afirma que “o mundo ficou pequeno para o jornalista que ir para as ruas cobrir os movimentos sociais, as periferias, para o que desconfia das fontes oficiais. Não foi uma opção virar uma jornalista livre, foi uma imposição, na realidade”. 

Na entrevista exclusiva, ela aborda a crise e o futuro do jornalista, propõe outros modelos de jornalismo, fala da importância da sindicalização e orienta os estudantes e recém-formados na profissão que, escancara, “é a mais bacana do planeta. Ser jornalista é como encarnar várias vezes na mesma existência”.

 

Qual a importância do Sindicato e de ser uma jornalista sindicalizada? O que o Sindicato dos Jornalistas representa para você?

O Sindicato é nossa representação. É fundamental que os jornalistas se filiem e fortaleçam sua entidade representativa. Estamos num momento que pode ser de fortalecimento do Sindicato. Tenho 30 anos de jornalismo e houve um período em que parecia que as empresas conseguiam atender a quase todas as demandas. Havia pleno emprego para os jornalistas, todos trabalham em redações grandes em que os salários tiveram uma valorização. Parecia que ninguém precisa mais do Sindicato porque existia a ideia de que, se dedicando e mostrando seus valores, você poderia ser recompensado com cargos melhores e salários maiores. Isso incentivou uma hiper competição e o maior inimigo de um jornalista era outro jornalista, o que criou uma distorção muito grande dentro da nossa categoria e reduziu a sindicalização. Essa ilusão, que o Mino Carta costuma apontar com muita sabedoria, que é tratar o patrão como colega ou o chefe como seu melhor amigo, é uma distorção de classe que afetou nossa categoria por um bom período e que está sendo solucionada hoje da pior maneira possível, que é vendo os salários achatados, demissões….

A precarização se aprofunda nas redações…

Exato, e, ao mesmo tempo, nós e a sociedade vemos que essa imprensa, que parecia pluralista e independente, não é nada disso e vemos isso nessa imprensa do partido golpista. Essa carga de ilusão, da qual fomos veículos e vítimas, está se desfazendo com iniciativas colaborativas de jornalistas para tentar contar os fatos da melhor maneira possível. Com isso vem a valorização do nosso Sindicato, que é entendendo que as saídas para a categoria têm que ser coletivas, que não serei “eu com meu patrão” que vamos resolver, mas seremos nós juntos contra a precarização. É um momento de cair a ficha porque sozinhos não vamos longe. Estarmos juntos, reconhecer o Sindicato como instrumento de autodefesa corporativa, é fundamental. Tenho orgulho de estar junto e construindo esse instrumento de luta da classe trabalhadora.

Como o profissional pode crescer e se desenvolver nesse cenário? Como você vê o futuro do jornalismo? 

Temos que começar questionando o ponto de que o jornalismo é uma atividade caríssima. Você tem que garantir um lucro extraordinário para o patrão. Não é a à toa que os donos da Globo estão entre as maiores fortunas do Brasil. Você precisa ter uma rentabilidade maior que a de banco. A atividade é muito cara porque tem que pagar os lucros enormes dos empresários e uma quantidade de executivos que ganham bônus, 20º salário, carro, viagem, porque são esses caras que vão garantir a disciplina de exército, de caserna que tem que ter dentro dessas redações. São esses cargos de confiança, que dizem “fora daqui”, os verdadeiros pitbulls do patrão, é que garantem o pensamento único que vigora hoje nesses recintos e que piorou muito em relação ao que era. E tem os repórteres de confiança, os que fazem as narrativas que interessam, que têm que ser larga e amplamente remunerados. Junto com a disciplina militar que entrou nas redações, tem que se pagar muito aos jornalistas que são pau mandado do patrão. Acho que o jornalismo é uma atividade cara, mas, no “plano de negócios” tem que tirar do lucro do patrão e dos salários dos puxa-saco. Tirou isso, aí vamos discutir se é o jornalismo é caro ou barato. Há uma parte enorme que podia ser barateada se tivéssemos uma estrutura que fosse simplesmente disposta a não mentir, a não falsear, a não contar a história que não houve.

E além dessa questão?

Depois de expurgar isso, acho que nas redações há um etnocentrismo que afirma que o jornalismo paulista é melhor e é mentira. O jornalismo pernambucano é ótimo, como em várias outras partes do Brasil é excelente. Se em vez de ficar pagando viagens pudéssemos compartilhar conteúdos, viajando só quando for realmente necessário e ajudar a trocar experiências, aí sim. Se não, por que não contar com um jornalista local? É esse o novo jeito que acho que podemos fazer e não podemos confundir a crise do jornalismo com a das empresas jornalísticas.

E a que você atribui essa crise?

A crise é das empresas e é porque elas viraram as costas para as 54 milhões que votaram na Dilma Rousseff e que, de repente, essas empresas fazem campanha aberta pelo impeachment como se não houvesse eleição. Muita gente cancelou assinaturas porque se sentia mal, vilipendiada com mentiras. Existe uma crise do modelo de negócios no jornalismo numa escala mundial, que tem a ver com a internet. Mas a que vivemos no Brasil tem características próprias, que é de uma concentração da mídia que faz os donos prescindirem do público leitor, e aí não querem estar em crise? Há a crise, mas também existem outras formas de fazermos jornalismo e podemos mudar, criar outras formas de produção por meio de cooperativas. Defender o jornalismo passa por defender outras formas de produzir conteúdo jornalístico de qualidade, de excelência, com critérios éticos e de rigor com a verdade.

Que mensagem você daria aos jovens estudantes de jornalismo ou aos recém-formados na profissão?

Quem ainda está estudante tem que procurar coletivos de mídia porque é uma oportunidade de aprender coisas que não são possíveis dentro da redação, de dar opinião, o que também depois não é possível nas redações porque você vira cumpridor de ordens. Há coletivos que permitem que o estudante acompanhe reportagens, apurações e se aprende muito com isso. E para quem está chegando e ainda não sabe bem se é essa a paixão, para descobrir o que você realmente quer e o valor do dinheiro nessa história, também é legal acompanhar os repórteres. As redações novas, de coletivos de jornalistas e repórteres, dão a possibilidade de ir junto e aprender com acompanhamento, orientação, cuidados e dicas de como melhor fazer o jornalismo. 

Escrito por: Redação – Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo

Foto: Cadu Bazilevski

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