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Jornalismo investigativo, com lado e opinião

Jornalismo investigativo, com lado e opinião

Greenwald fala em 9 de setembro: “Todas as ameaças tiveram só um efeito: fortalecer nossa determinação e resolução para reportar esse arquivo até o final.

O jornalista, escritor e advogado Glenn Edward Greenwald, um nova-iorquino nascido em 6 de  março de 1967, e que, em 2005, por opção, tornou-se carioca, em tudo o que faz deixa claro que tem lado e opinião.

Glenn estudou filosofia na Universidade George Washington em 1990, fez doutorado em Direito na Universidade de Nova York em 1994, mas optou pelo jornalismo quase na mesma época em que se mudou para o Brasil. Seja em que profissão for, em que país estiver, deixa claro para todos: amigos, inimigos ou leitor, ele está sempre pronto para lutar por liberdade e justiça.

Como advogado, a partir de 1994, defendeu casos de direitos constitucionais e civis. Como jornalista, em 2005, criou seu próprio blog e denunciou a atuação da CIA no caso da ex-agente Valerie Plame e seu marido, o diplomata Joseph C. Wilson, que levou a público as mentiras para justificar a invasão do Iraque. Por essa história, Glenn recebeu o prêmio Koufax, concedido a blogs de esquerda.

E foi só o começo. Ao lado da progressista Amy Goodman, foi o primeiro ganhador, em 2008, do Prêmio de Jornalismo Independente Park Center I.F. Stone. Dois anos depois recebeu o Prêmio Online Journalism, por sua investigação sobre as condições degradantes em que vivia Chelsea Manning na prisão. Em junho de 2013, em parceria com Edward Snowden, denunciou os programas secretos de vigilância global da Agência de Segurança Nacional (NSA), dos Estados Unidos. O que lhe rendeu, em 2014, o Pulitzer e o Esso.

Agora Glenn acaba de receber o Prêmio Especial Vladimir Herzog pela série de reportagens da “Vaza Jato”, publicada no The Intercept, fundado por ele em outubro de 2013.

Nesta entrevista exclusiva, Glenn Greenwald responde a perguntas de Caco Barcellos, Ricardo Kotscho, Zé Hamilton Ribeiro, Frei Betto, Juca Kfouri, Marina Amaral, Paulo Zocchi e Sergio Kalili (Unidade).

Juca Kfouri: Para um americano, por mais abrasileirado que você esteja, é muito difícil entender que aquilo que derrubaria um governo em Washington não derruba em Brasília?

Por um lado, é verdade que qualquer juiz nos Estados Unidos que fosse pego fazendo o que Sergio Moro fez durante anos – ou seja, secretamente colaborando com promotores – imediatamente perderia o cargo sem qualquer discussão. E isso aconteceria mesmo se fosse um caso menos importante… quanto mais um envolvendo a condenação de um ex-presidente, liderando todas as pesquisas [eleitorais]. Por outro lado, os Estados Unidos têm uma história de proteger os mais ricos e poderosos de quaisquer consequências… mesmo em crimes graves – de tortura a crimes de guerra e espionagem ilegal. Eu escrevi um livro sobre isso, em 2011, chamado “Liberdade e Justiça para Alguns” [With Liberty and Justice for Some: How the Law Is Used to Destroy Equality and Protect the Powerful], sobre como os Estados Unidos, apesar de terem a maior população carcerária do mundo, criaram imunidade para os mais poderosos.

Marina Amaral: Que diferença fez para vocês as parcerias feitas com outros veículos? Você acha que a cobertura ganhou em qualidade ou velocidade? Vê nesse tipo de parceria um futuro com mais colaboração do que a competição que prevalece no meio?

Acho que as parcerias jornalísticas que criamos – que seguiram o modelo com o qual eu costumava fazer as reportagens do Snowden em todo o mundo – têm sido cruciais para contar essa história. Por um lado, tornou a reportagem melhor (porque permitiu que jornalistas com conhecimentos de todos os tipos acessassem o material) e mais rápida (quanto mais jornalistas relatam, mais rápido pode ser preparado o trabalho jornalístico). Além disso, obviamente aumentou o impacto, já que Folha, Veja, UOL e outros podem atingir um público que (ainda) não lê o Intercept Brasil. Mas, talvez mais importante… garantiu que quase toda a mídia brasileira se envolvesse nessa reportagem. E isso tornou impossível isolar-nos e tentar alegar que o conteúdo e uso desse arquivo [do material da Vaza Jato] fosse [considerado] mais um crime do que jornalismo.

Caco Barcellos: Em que país do mundo estão os melhores jornalistas? E entre eles, qual ou quais você mais admira?

Sinceramente acho que todos os países democráticos têm excelentes jornalistas. O problema é que, quando trabalham para grandes meios de comunicação corporativos, muitas vezes são impedidos de fazer o jornalismo que desejam fazer. Eu sou um crítico feroz da Globo. Mas em 2013, trabalhei com a Globo para fazer reportagens sobre o Snowden no Brasil e trabalhei com alguns dos melhores jornalistas que conheço no mundo, especialmente Sônia Bridi, no Fantástico. Sou um crítico feroz do New York Times, mas tenho amigos lá que são repórteres que acho que fazem um ótimo trabalho. O mesmo… é verdade… quando trabalhei no Guardian. Para mim, os melhores jornalistas do mundo são pessoas como Seymour Hersh, Naomi Klein, David Barstow e Owen Jones. Pessoas que usam grandes plataformas de mídia, mas continuam a manter a independência e veem o jornalismo não como uma profissão sagrada, com regras rígidas, mas como ferramenta para impor limites às facções mais poderosas da sociedade e para combater injustiça.

Zé Hamilton Ribeiro: Que é mais difícil: conseguir essas informações incríveis que você consegue, ou arranjar jornal para publicá-las?!

Talvez, surpreendentemente, não tivemos problemas em atrair o interesse da grande mídia brasileira nessa história. Todos os grandes meios de comunicação no Brasil – com a exceção notável e sem surpresas da Globo – nos procuraram e solicitaram acesso ao arquivo, para que pudessem trabalhar nesse material conosco.

Frei Betto: Por que será que muitos veículos da mídia dão destaque aos hackers e ignoram os conteúdos divulgados pelo Intercept?

Acho que o único veículo de alguma importância [que pode ser] culpado por isso são os vários braços da Globo, e a razão é clara: a Globo nunca informou jornalisticamente  sobre Sergio Moro ou a Lava Jato. Eles abandonaram completamente o papel do jornalismo, quando se tratava desses indivíduos. Eles agiam como parceiros deles, não como investigadores. E a razão é clara: a Globo lucrou muito com a Lava Jato, com poucos recursos gastos. Constantemente recebiam vazamentos bombásticos da força-tarefa, que eles [a Globo] promoviam nas manchetes e no Jornal Nacional, atraindo grandes audiências sem ter que fazer nenhum trabalho investigativo. A história de como a Globo foi um parceiro fundamental da Lava Jato é uma que precisa ser contada e será. Mas é por isso que a Globo – sozinha entre os grandes meios de comunicação – demonstrou muito pouco interesse por essas revelações, preferindo se concentrar nas ações da fonte. E novamente: a Globo é o único grande meio de comunicação no Brasil que nunca solicitou acesso a esse material.

Unidade: Diretor do INPE é demitido; presidente do ICMBio é demitido; General Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, é demitido após propaganda sobre diversidade no Banco do Brasil; pesquisa da FIOCRUZ sobre drogas é desqualificada; universidades desqualificadas; cortes de verbas para pesquisa e educação; jornalistas processados, intimidados e perseguidos… O que o governo Bolsonaro quer tanto esconder?

O governo Bolsonaro está fazendo o que é uma das características definidoras dos regimes autoritários ao longo da história: controlar o que a população pensa, escondendo a verdade, punindo e intimidando os jornalistas e usando mentiras para promover seus interesses. Eles fizeram isso durante a campanha de 2018 e tiveram grande sucesso com essas táticas e estão usando as mesmas agora enquanto estão no poder.

Unidade: Que país quer deixar para os seus filhos?

Quero deixar para os meus filhos o Brasil pelo qual me apaixonei: aquele que é democrático, que respeita os direitos políticos básicos, que valoriza a diversidade e que se esforça para criar oportunidades para todos os brasileiros e não apenas para alguns. Obviamente, o Brasil antes de Bolsonaro tinha sérios problemas: o principal deles era a extrema desigualdade de todos os tipos e um desrespeito aos direitos humanos. Mas estava no caminho certo: trabalhar para tirar as pessoas da pobreza, reduzir as violações dos direitos humanos pelo Estado e fortalecer as instituições democráticas. Esse é o progresso que Bolsonaro está procurando destruir, e que nós, com nosso trabalho, queremos preservar.

Unidade: Como é o trabalho com essa enorme quantidade de dados? Vocês usam robôs para separar e localizar dados? Como é a divisão de tarefas na equipe? Como se comunicam?

A enorme quantidade de informações que temos é uma das razões pelas quais procuramos ter parceiros jornalísticos: seria impossível publicar todo esse material apenas com a equipe do Intercept. Mas, uma grande vantagem é que o Intercept nos Estados Unidos e eu temos grande experiência em trabalhar com arquivos enormes de informações – obviamente, incluindo o arquivo do Snowden, mas, também outros, como os do Drone Papers [documentos militares secretos do programa americano de assassinatos por drones no Afeganistão, Iêmen e Somália] e um arquivo importante que relatamos sobre os abusos cometidos pelo FBI. Temos especialistas em tecnologia que criaram programas que permitem aos jornalistas, por exemplo, pesquisar dados enormes com palavras-chave e outras ferramentas que nos permitem trabalhar com arquivos gigantescos de informações de maneira gerenciável e produtiva.

Ricardo Kotscho: Você espera que o Judiciário brasileiro vá tomar alguma providência? Que consequência você espera desse processo todo?

Honestamente, vejo meu trabalho como jornalista [que é] fornecer todas as informações que o público tem o direito de conhecer e que as instituições brasileiras devem ter para fazer julgamentos informados. O que eles escolhem fazer com essa informação, eles decidem. Não consigo entender como qualquer processo judicial tão corrupto, quanto os julgados pelo juiz Moro e julgados pela Lava Jato, pode ser preservado. Nem posso entender como uma pessoa tão corrupta e disposta a violar todas as leis e éticas quanto Sérgio Moro pode ter permissão para ocupar uma posição poderosa como o Ministério da Justiça. Mas isso é para o público brasileiro e os tribunais brasileiro decidirem. Meu papel é fornecer a eles toda a informação relevante, e esse é o trabalho que temos feito e faremos até que esteja completo.

Unidade: Não há democracia sem imprensa livre?

Não pode ter democracia nenhuma sem uma imprensa livre, porque democracia exige um público informado. Um público votando sem informação básica é democracia só no nome. Não é uma democracia real. Então, acho que o principal é que o público precisa estar informado, e isso só pode acontecer com uma imprensa livre. Além disso, é da natureza humana que qualquer pessoa que exerça poder sem transparência abuse desse poder. É a imprensa livre que vai garantir que o poder seja usado de forma correta ao mostrar para o público as ações tomadas pelos poderosos. [A imprensa livre] coloca [assim] um limite bem importante [porque] mostra as reações de alguém influente sobre qualquer coisa.

Unidade: Por que você resolveu mudar de profissão depois de tantos anos como advogado?

É… quase 12 anos como advogado… Mas naquela época… foi 2004, 2005, o clima político nos Estados Unidos estava mudando radicalmente, principalmente, por causa do ataque de 11 de Setembro, e essa ‘guerra ao terror’… Tudo estava mudando muito rápido. E ninguém estava questionando os novos poderes que o governo do [presidente americano George W.] Bush estava construindo naquela época. E achei que era bem perigoso…, não só esses poderes oficiais, mas também o clima político… Ninguém estava questionando, porque questionar o governo significava que você estava apoiando os terroristas… um raciocínio bem perigoso. Então, eu queria ter uma voz mais pública para lutar contra o que estava acontecendo nos Estados Unidos, que achei que era algo bem perigoso.

Unidade: Ser jornalista é perigoso? Ou não deveria ser perigoso?

Obviamente esta profissão é bem perigosa, porque o papel do jornalismo, quando está sendo feito do jeito certo e mais importante, é desafiar grupos poderosos. Desafiar grupos poderosos significa, necessariamente, que você está enfrentando perigos porque… que significa que alguém é poderoso? Significa alguém que tem a capacidade de punir qualquer pessoa que represente um obstáculo. Então, quando você está impedindo uma pessoa poderosa, obviamente está se arriscando…, porque eles podem fazer coisas contra você. Tem jornalistas morrendo o tempo todo em todas as partes do mundo, cobrindo guerras, mas também investigando grupos corruptos… É uma profissão perigosa, sim.

Paulo Zocchi: Poderia explicar a importância do sigilo de fonte garantido na Constituição brasileira no trabalho do jornalista?

Eu fiquei muito feliz quando descobri que a Constituição brasileira garante o sigilo de fonte, porque, na realidade, nos Estados Unidos isso não existe. No Reino Unido, onde também trabalhei como jornalista, com o The Guardian, não tem nada na constituição que garanta a liberdade de imprensa… Então, é muito impressionante que a Constituição brasileira garanta esse direito. E é crucial, porque, obviamente, como jornalista, o único jeito que nós temos de trabalhar para informar o público é trabalhando com fontes. E, na maioria das vezes, quando tem jornalismo importante, é quando uma fonte está passando informação para um jornalista, e essa fonte está se arriscando muito, talvez a liberdade, talvez o emprego, a vida. E, por causa disso… quando não há poder ou capacidade para proteger o sigilo da fonte, o jornalismo investigativo não existe. Porque se o governo puder obrigar, forçar um jornalista a revelar a identidade da fonte, para destruir esse relacionamento (entre uma fonte e um jornalista)… jornalistas não podem trabalhar. Não podemos descobrir informação sem a capacidade da fonte de passar informação de interesse público, ficando no anonimato.

Unidade: Você tem dito que gostou de voltar a ser advogado… Poderia relacionar isso à tentativa que existe de criminalizar o seu trabalho?

É. Isso é interessante porque no começo da reportagem do Snowden, percebemos a linguagem que o governo dos Estados Unidos estava usando para falar sobre nós. Eles nunca usaram a palavra ‘jornalistas’. Eles estavam sempre falando ‘esses cúmplices do Snowden’, ‘esses aliados do Snowden’. Sempre tentando criar a imagem de que não somos jornalistas mas parte da ação criminosa. Então, quando Sérgio Moro começou usando a mesma tática, desde o primeiro dia, quando ele participou de uma audiência no Senado, e ele estava chamando a gente de ‘aliados dos hackers’, ficou totalmente óbvio para mim que ele estava tentando criar uma teoria em que pudesse criminalizar nosso jornalismo, falando que nós não somos jornalistas, mas ‘parceiros desses criminosos’. E, obviamente, depois disso, Bolsonaro, sendo Bolsonaro, deixou isso mais explícito ainda, falando com muita clareza que ele achava que eu deveria ser preso. Obviamente esse governo está tentando criminalizar nosso jornalismo.

Unidade: Sobre imparcialidade e independência. No Brasil existe uma história de que jornalista não tem opinião… Nos Estados Unidos, o New York Times diz o candidato que apoia… Queria que você falasse um pouco dessa hipocrisia que existe no jornalismo brasileiro e sobre os conglomerados de comunicação.

Acho que é uma fraude total. Somos humanos. Nós não somos máquinas, não temos a capacidade de entender ou pensar o mundo com objetividade. Todos nós temos perspectivas subjetivas. Todos nós somos o resultado de nossas experiências. E todos nós temos opiniões. Não existem duas categorias no jornalismo: jornalistas que têm opiniões e jornalistas que não têm. Para mim, se tem duas categorias… são de jornalistas honestos sobre suas opiniões e jornalistas que mentem, que fingem que não têm opiniões, que dizem que fazem seu trabalho quase como máquinas. Eu acho que as pessoas sabem que isso é uma fraude. Por causa disso elas estão perdendo a confiança nas instituições jornalísticas. Quando jornalistas estão sempre mentindo: ‘não temos opiniões, estamos só mostrando o mundo de uma forma objetiva…’, todo mundo sabe que isso é uma mentira. Então  para mim, eu acho que é muito mais honesto, muito mais forte, como jornalista, expressar minhas opiniões, mas ao mesmo tempo escrever na forma que estou fazendo, na qual [meu trabalho] pode ser verificado. Se há uma divisão é entre jornalistas que trabalham com informações de verdade e jornalistas que usam informações que não podem ser verificadas. Essas são as distinções muito mais importantes para mim.

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