Os trabalhadores e trabalhadoras das seis empresas públicas atingidas pelo Projeto de Lei 1/2019 lotaram a audiência pública realizada no auditório Paulo Kobayashi da Assembleia Legislativa (Alesp), na manhã desta terça (9). Com a pressão e a mobilização organizada dos profissionais, dezenas de deputados de diversas legendas se comprometeram a barrar a proposta e a bancada do Psol protocolou um pedido para que o governador João Doria (PSDB) participe de outra audiência para dialogar face a face com os trabalhadores.
De iniciativa de Doria (PSDB), o PL 1/2019 é, na prática, uma carta branca para que o governo estadual possa fundir, cindir, incorporar ou simplesmente extinguir seis companhias públicas que prestam serviços relevantes à população – a Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.), a Companhia Paulista de Obras e Serviços (CPOS), a Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa), a Companhia de Desenvolvimento Agrícola de São Paulo (Codasp), a Imprensa Oficial do Estado São Paulo (Imesp) e a Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp).
Perante os deputados e o público da audiência, diretores indicados por Doria para o alto escalão das empresas tentaram justificar o projeto. Entre as alegações, os executivos falaram em “sinergia” entre as companhias para “otimização de recursos” e assim garantir “investimento em saúde e educação”, afirmações que geraram revolta tanto nos trabalhadores quanto nos deputados que ouviam à exposição.
“Não admito que a direção da empresa tenha coragem de dizer que o dinheiro tirado dessas companhias vai para educação em saúde. A privataria tucana vem de longe, e alguém viu a saúde e a educação melhorando? Esse PL é fatura de campanha, é comprometimento do Doria com os empresários”, criticou a deputada Professora Bebel (PT).
Os argumentos dos executivos foram desconstruídos pelas exposições dos representantes dos funcionários das seis companhias. Eles contaram o histórico das empresas, explicaram o papel e os serviços prestados à população, destacaram o corpo técnico qualificado e o expertise desenvolvido ao longo de anos. Também mostraram dados apontando o sucateamento que as empresas já têm sofrido desde governos anteriores, com cortes no orçamento e redução do quadro de funcionários.
Os representantes dos 3 mil trabalhadores empregados nas companhias afirmaram ainda que a maior preocupação é quanto à completa falta de clareza do Projeto de Lei.
“O projeto é totalmente genérico e, como foi dito na audiência, o PL até desrespeita a Alesp no sentido de que é como se desse um cheque em branco para que o governador faça o que queira. Sobre os representantes das empresas que falaram sobre fusões, por exemplo, qual é a segurança que nós temos disso? Depois que o projeto for aprovado, o governo vai estar liberado para fazer o que quiser”, alertou Claudio Soares, diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) que trabalha há 23 anos na Imprensa Oficial.
Lucro para o Estado e função social à população
A questão da lucratividade das companhias também marcou as discussões em torno do PL 01/2019. Os trabalhadores apontaram que, em alguns casos, a missão da empresa é prestar serviço público e cumprir uma função social, mas, ainda assim, várias das companhias são, sim, lucrativas e arrecadam milhões anualmente ao cofre estadual.
Um exemplo é o da Imesp, que repassou R$ 69,4 milhões à Fazenda do Estado em 2018, a título de juros sobre capital e dividendos, e outro é a Prodesp, cujo faturamento saltou de R$ 530 milhões em 2010 para mais de R$ 1 bilhão no ano passado.
A Dersa, que gerencia a construção de grandes obras viárias no estado de São Paulo, atua de forma ampla desenvolvendo estudos geológicos e de impacto ambiental, projetos, laudos e avaliações técnicas, entre outros ligados às rodovias. Já a Codasp é responsável pelo recuperação e manutenção de estradas vicinais e de rodagem nas áreas rurais, bem como o cuidado de mananciais no interior paulista, garantindo as condições de circulação essenciais, entre outros, para o escoamento da produção agrícola.
Técnico da Codasp, Sidney de Jesus ressaltou que a companhia atende 96 municípios paulistas e que não foi criada para dar lucro, “mas tem uma função social, que é garantir o direito de ir e vir do morador do município mais longínquo da zona rural até o centro urbano. Se isso não for necessidade básica para viabilizar acesso à saúde e educação, não sei o que é necessidade básica”, afirmou aos deputados.
A Emplasa é responsável pelos Planos de Desenvolvimento Urbano Integrados (PDUI’s) das regiões metropolitanas do estado paulista, enquanto a Prodesp desenvolve soluções tecnológicas para o governo estadual que, entre outros benefícios, têm permitido controle de arrecadação, além de deter informações gerenciais estratégicas para gestão do Estado.
“No caso da Prodesp, há a questão da confidencialidade do conjunto de informações que a empresa detém e não poderiam ser transferidos a uma empresa privada. Não podemos jogar fora 50 anos de expertise nem permitir o esvaziamento do conhecimento de tecnologia da informação acumulado”, disse Pedro Luiz Saldanha, funcionário da Prodesp desde 1987 e diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados e Tecnologia da Informação do Estado de São Paulo (Sindp).
Segundo levantamento realizado pelas assessorias dos deputados, as seis empresas que Doria quer destroçar renderam R$ 836 milhões aos cofres públicos nos últimos anos.
Entenda o caso
Desde que a proposta foi anunciada pelo governo Doria, em coletiva de imprensa no início de janeiro, deu-se início à luta unificada dos trabalhadores nas empresas atingidas e de seus sindicatos, entre os quais o SJSP, que representa os jornalistas da Imprensa Oficial. Entre outras ações, os sindicatos promoveram assembleias nas companhias, divulgaram um manifesto e ações comuns contra o Projeto de Lei. Eles ainda produziram um jornal para esclarecer sobre a importância das companhias e o impacto do PL para a população.
Os representantes dos trabalhadores e os sindicalistas também têm buscado diálogo e apoio dos deputados da Alesp contra o PL. A mobilização resultou na realização da primeira audiência pública sobre o projeto, em 27 de março, quando os funcionários denunciaram que não há estudos que justifiquem a necessidade de extinção ou fusão das empresas como Doria propõe.
Na ocasião, foi criado um Grupo de Trabalho (GT) integrado por representantes dos trabalhadores das seis empresas, dos sindicatos e da assessoria dos deputados, com o objetivo de construir ações conjuntas quanto ao PL 1/2019 e contra as privatizações. A primeira reunião do GT foi em 1º de abril e, no dia 2, tanto os representantes dos trabalhadores quanto da diretoria das seis companhias dialogaram sobre a situação com o Colégio de Líderes da Casa.
Funcionários e sindicatos permanecem mobilizados, e a expectativa agora é que mais deputados apoiem os trabalhadores e as empresas contra o PL 1/2019.