Entre 2014 e 2017, 126 lésbicas foram brutalmente assassinadas no país, segundo o Dossiê Sobre Lesbocídio no Brasil, lançado nesta segunda-feira (4), em São Paulo.
O relatório, organizado pelo Grupo de Pesquisa Lesbocídio, do Núcleo de Inclusão Social (NIS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), revela que esse tipo de crime de ódio vem crescendo exponencialmente em todo o país.
Os números são impactantes: no período de 2000 a 2014, as pesquisadoras localizaram 54 casos, menos de metade de lesbocídios dos últimos três anos; por outro lado, apenas nos dois primeiros meses de 2018 já foram registradas 26 mortes.
A iniciativa surgiu a partir da necessidade de investigar as especificidades dos assassinatos de lésbicas. O documento já havia sido lançado no estado carioca em março deste ano, mas sua divulgação em São Paulo se fez ainda mais necessária devido aos dados elencados no dossiê: o estado é responsável por 20% de todas as mortes de lésbicas no país nos últimos quatro anos.
Misoginia e lesbofobia
O termo lesbocídio foi apresentado de forma inédita pela pesquisa, e assim como o feminicídio, o crime é motivado pela misoginia, sentimento de ódio destinado às mulheres, mas possui características diferentes.
Geralmente, casos de feminicídio acontecem em ambientes domésticos e o crime é praticado por homens que possuem algum grau de familiaridade com as vítimas; mais comumente, seus cônjuges. Já nos casos de lesbocídio, cerca de 83% das vítimas foram assassinadas por homens que não necessariamente possuíam parentesco com elas, mas que têm aversão a lésbicas, ou seja, foram motivados pela lesbofobia.
Militante do movimento de mulheres lésbicas há mais de 15 anos, Cinthia Abreu, uma das coordenadoras da Caminhada das Mulheres Lésbicas e Bissexuais de São Paulo, celebra a produção do dossiê. “Até hoje não tinha visto uma contribuição como essa, é importante porque nos dá visibilidade e mostra as formas como morremos e de como somos invisibilizadas”, diz.
Cinthia ressalta ainda que o dossiê é essencial não só para o movimento LGBT, mas para que a sociedade passe a considerar o lesbocídio como uma questão importante, principalmente com o avanço do conservadorismo.
“Estamos procurando dar mais visibilidade, mostrar que as mortes por lesbocídio existem e tem um requinte de crueldade muito grande. É desde decapitação a empalamentos e queimaduras. São crimes extremamente violentos e quando falamos sobre pautas LGBT, estamos falando sobre direitos humanos, políticas públicas e perda de direitos”, complementa.
Subnotificação por preconceito
Aproximadamente 34% dos crimes acontecem com mulheres na faixa-etária dos 20 aos 24 anos. Outra informação apontada pelo dossiê é que as lésbicas têm o dobro de chance de serem assassinadas em regiões interioranas, uma característica comum em todos os estados do Brasil.
O Dossiê organizado pelo NIS é a primeira pesquisa realizada especificamente com o objetivo de expor a situação alarmante de violência sob as quais mulheres lésbicas estão submetidas.
Devido à falta de dados oficiais e estudos padronizados, estima-se que o números de mortes por lesbocídio sejam ainda maiores. Além da subnotificação existente, Cinthia cita a dificuldade das mulheres lésbicas para denunciar episódios violentos, já que enfrentam preconceito cotidianamente na esfera familiar e no local de trabalho, por exemplo.
“É exatamente o processo do ódio, que inclusive falamos que só a palavra feminicídio não dá conta. É preciso falar que é um crime de ódio, é exterminar uma mulher apenas porque ela se relaciona com outra mulher”, pontua.
Saúde mental
Além de criar um espaço de memória coletiva das lésbicas que foram assassinadas, a pesquisa também apresenta registros feitos de 2014 a 2017 que indicam 33 suicídios cometidos por mulheres lésbicas entre 19 e 24 anos, faixa que concentra 69% dos casos.
Os suicídios também seguem em números crescentes: em 2014 foram dois; no ano seguinte, cinco; em 2016, seis; e, em 2017, o número aumentou para 19.
Na opinião de Cinthia, a lesbofobia é a principal responsável por levar essas mulheres a tirarem suas próprias vidas.
“A saúde mental dessas mulheres é comprometida por várias questões. O rompimento familiar é muito grande, outra questão é a pressão social porque não se pode admitir que é uma lésbica no trabalho, no ambiente escolar também não. O fato de ter que viver sua sexualidade condicionada a outras pessoas causa adoecimento mental”, reforça a ativista, ressaltando que o apoio familiar é um diferencial enorme e fortalece na luta contra a discriminação.
A quantidade de lésbicas em depressão é outro traço da lesbofobia na vida dessas mulheres. “Temos um processo muito grande de depressão e isolamento. Quando falamos de saúde lésbica, se fala no âmbito sexual e ginecológico, e não que seja menos importante, mas acaba-se não falando sobre o adoecimento mental. O suicídio entre as lésbicas é uma forma do lesbocídio nos atacar”, ressalta Cinthia.
De acordo com o dossiê, que relata diversos casos de lesbocídio em detalhes, mulheres lésbicas não-feminilizadas sofrem um preconceito ainda maior nos ambientes públicos, e representaram 54% do número de mortes em 2017.