O histórico auditório Vladimir Herzog foi mais uma vez palco das lutas democráticas no país na noite desta terça-feira (8) durante o Ato em Defesa da Democracia e do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), realizado na sede da entidade, no centro da capital paulista, marcando os 81 anos de fundação do SJSP, que se completaram no último dia 15 de abril.
Jornalistas, blogueiros, midiativistas, sindicalistas, estudantes, representantes de organizações da sociedade civil, entre outros, lotaram o auditório expressando seu repúdio ao golpe à democracia em curso no Brasil e destacando a importância do jornalismo para transformação dessa realidade.
Na abertura, Paulo Zocchi, presidente do SJSP, falou sobre os ataques que o Sindicato tem sofrido das empresas de comunicação, muitas das quais colocando seus porta-vozes para incentivar a desfiliação à entidade.
O estopim foi uma nota divulgada no último 7 de abril, na qual a entidade defendeu o respeito aos jornalistas que cobriam, em São Bernardo do Campo, as mobilizações contra a prisão do ex-presidente Lula, afirmando que as empresas também são responsáveis pela hostilidade enfrentada pelos trabalhadores e trabalhadoras do jornalismo. No texto, o Sindicato ainda defendeu a democracia e a liberdade de Lula.
“Diversos críticos se apegaram ao ponto da nota em que as empresas de comunicação são responsabilizadas pela violência aos jornalistas por terem adotado uma política editorial que apoia o golpe. Mas nenhum deles citou a continuidade da nota, que afirma que tais empresas apoiam as medidas antipopulares de Michel Temer e querem aplicar as reformas contra seus próprios trabalhadores”, disse Zocchi.
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Sobre as acusações de que o Sindicato tem posições partidárias ou de que estaria partidarizado, Zocchi afirma que a direção da entidade rejeita essa abordagem. “As posições são decididas democraticamente em fóruns como assembleias, congressos, eleições, reuniões de diretoria, a partir da livre discussão entre os sindicalizados. E, claro, o SJSP tem posições políticas, necessárias para defesa da categoria. Há, ainda, o compromisso inarredável com a democracia, condição básica do exercício do jornalismo e para liberdade de expressão”, defendeu o dirigente.
Para o jornalista Paulo Salvador, diretor da Rede Brasil Atual, o avilte das empresas de comunicação quanto à nota do SJSP é exagerado.
“A nota não tem absolutamente nada de errado, não tem nenhuma injúria ou algo em poderíamos dizer que a diretoria do Sindicato errou a mão, ao contrário. É uma nota serena, tranquila. Então, o que se passa? Na verdade, é uma disputa de narrativa porque que as empresas jamais poderiam aceitar que alguém fale que elas deram o golpe, pois precisam continuar iludindo inclusive setores da categoria que comemoram a prisão de Lula e o golpe à Dilma Roussef”, diz Salvador.
Reforçando seu apoio e solidariedade ao Sindicato, o jornalista destacou que as empresas estão é se aproveitando da conjuntura para precarizar ainda mais o trabalho nas redações e aumentar a lucratividade.
Defesa do jornalista e do jornalismo hoje e no futuro
Na primeira mesa de debate, a jornalista Maria Inês Nassif falou sobre a sedução da profissão que fez com os jornalistas fossem se desconstituindo enquanto categoria por várias razões, entre as quais a imposição velada de uma adesão ideológica às empresas de comunicação “a qual nem todos aderem, mas que é como uma exigência para ascensão na carreira, e a qualidade profissional acabou relegada ao último plano”, pontua.
Ela criticou os jornalistas que, por ganharem bem e aparecem na TV “como se fossem atriz de novela”, acham que não tem nada a ver com o Sindicato nem com os colegas de profissão. “Temos um trabalho pedagógico de convencer as novas gerações que chegam às redações enfrentando um trabalho altamente precarizado. O momento é de rever, de forma militante, o papel do sindicalismo na nossa categoria e, principalmente, no futuro do jornalismo, pois tal como está colocado hoje como um monopólio, é um jornalismo de mentira. Precisamos rever nosso papel e tentar resgatar o jornalismo com o compromisso com a verdade”, ressaltou.
Presidente da CUT São Paulo, Douglas Izzo disse que um dos pilares do golpe é a utilização dos meios de comunicação para manipular a população e para impor um projeto político derrotado, que foi reintroduzido para o desmonte do Estado e para retirada de direitos.
Nesse cenário, Izzo frisou a relevância das mídias alternativas para disputa da narrativa e afirmou que “não é só retrocesso para nós porque a dificuldade tem criado condições de fazer o debate, de construir alternativas na comunicação. Há jornalistas que têm conseguido quebrar esse monopólio, a censura e têm construído um jornalismo alternativo e autêntico”, afirma.
Para o jornalista e sociólogo Laurindo Lalo Leal Filho, Professor da ECA-USP, além de defender os direitos da categoria, o Sindicato também tem que estar preocupado com a questão ética dos profissionais.
“Nossa mercadoria é diferente das de outras categorias profissionais porque nelas esse produto se esgota. Mas nosso produto não, ele permeia corações e mentes da sociedade. O jornalista tem uma responsabilidade muito grande pelo produto que coloca no mercado e o Sindicato tem que estar presente, como sempre esteve. A jornalistas que tecem críticas ao SJSP eu pergunto: por que não vêm ao Sindicato disputar as ideias aqui dentro? Porque querem fazer o jogo do patrão e não têm mais compromisso com a profissão”, diz Lalo.
Diretora do Centro Acadêmico Lupe Cotrim (Calc/ECA-USP), a jovem estudante de jornalismo Mayara Paixão abordou a falta de solidariedade de classe existente na profissão. “Tenho 20 anos, estou no 3º ano de jornalismo, tenho um longo caminho pela frente e já sinto que isso não existe na nossa categoria. Não entendo porque diabos os jornalistas não se entendem como trabalhadores, mas sei que, num momento de golpe político e de retirada de direitos, esse debate precisa ser muito aprofundado. Isso é muito preocupante, principalmente pelo momento que a gente vive”, avalia.
Intervenções culturais
O Ato também contou com diversas intervenções culturais e a abertura foi marcada pela performance poética da cantora e atriz Aiosha, do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão de São Paulo (Sated-SP), com versos abordando as agruras do cotidiano dos trabalhadores e trabalhadoras. Também do Sated, Francisco Gaspar recitou o poema “Esse desemprego”, do dramaturgo alemão Bertolt Brecht.
A cartunista Laerte Coutinho expôs algumas de suas charges que retratam a conjuntura de golpe à democracia.
Acompanhada do músico Paulo Godoy no violão de sete cordas, Railidia Carvalho cantou uma música inédita dos compositores paulistas Douglas Germano e Kiko Dinucci, canção que trata não dos heróis oficiais que a história coloca nos livros e na mentalidade da população, mas dos vencedores que fizeram a batalha por justiça social e por uma sociedade igualitária, explicou a artista.
Com os versos “Meu olhar transbordou na esperança do fogo apagar, meu peito calou sem lágrimas pra derramar…Favela queimando pra construir mais um arranha-céu”, o sambista pernambucano Toinho Melodia emocionou o público no encerramento do evento com uma canção sobre os incêndios criminosos que destroem favelas, realidade enfrentada pelo povo periférico vítima da gentrificação e do descaso do Estado “enquanto os ratos invadem as casas de terno e gravata, maleta na mão”.
Além da galeria de fotos disponível no site do SJSP, o vídeo com a íntegra do evento está disponível na fan page do Sindicato dos Jornalistas.