Vale tudo por um furo!? E o Código de Ética do Jornalista? Essas foram perguntas feitas no Brasil, principalmente pelas mulheres, depois do caso da atriz Klara Castanho, 21 anos, vítima de violência sexual, que teve sua intimidade exposta por Leo Dias, colunista de celebridades, no Metrópoles, portal de notícias com milhões de seguidores.
Posteriormente a notícia foi retirada e um pedido de desculpas públicas, pelo colunista e portal, foi publicado, mas o estrago já estava feito. A informação viralizou e a jovem atriz passou então a ser alvo de ataques violentos, machistas, sexistas e preconceituosos no tribunal das redes sociais e foi forçada a restringir suas contas e se posicionar sobre uma situação violenta e traumática como um estupro.
O furo, no jargão jornalístico, é um informação inédita e exclusiva. Ele é importante para ajudar a cristalizar parte da credibilidade no jornalismo, mas não é a única medida, lembra o jornalista, pesquisador e professor de ética e deontologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Rogério Christofoletti, criador do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS) e autor do livro “A ética no jornalismo”.
Para ele, os limite são os padrões éticos, bom senso e sensibilidade. “Não se pode justificar um furo cometendo um crime. Há coisas que não se faz porque contrariam nossos códigos de ética e porque são flagrantemente erradas do ponto de vista moral, como, por exemplo, expor cruelmente pessoas em situação de vulnerabilidade”.
Muitas vezes, afirma Christofoletti, se o jornalista pensar “dois minutos”, abandona porque se revelam “insensatas ou cruéis”. O caso Klara Castanho foi tema de uma newsletter do objETHOS.
Para evitar comportamentos como os citados pelo pesquisador há, em todas as profissões, um código de ética que deve ser seguido, inclusive pelos jornalistas, lembra a presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), Maria José Braga, que tem o seu próprio regulamento de conduta desde 1985.
“A ética aplicada às profissões, que chamamos de deontologia, é imprescindível para que a atuação profissional seja condizente com os princípios éticos estabelecidos pelas sociedades. Por isso, as mais diversas categorias criam seus códigos de ética. Nos temos o nosso e ele deve ser seguido por todos”, destaca Maria José.
Segundo ela, ele representa o pacto coletivo da categoria com a sociedade para estabelecer os limites de atuação do jornalista tendo em vista a proteção das pessoas e da vida em comunidade.
Mas nem sempre é fácil fazer valer o Código de Ética e, muitas vezes, sua aplicação carece de respaldo legal para ser mais efetiva. Caso, por exemplo, do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros.
“No caso da categoria dos e das jornalistas, temos duas grandes dificuldades. A primeira delas é que o Código de Ética pode ser aplicado somente aos profissionais, não se estendendo às empresas, organizações e instituições”, afirma Maria José, que também integra o Comitê Executivo da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ).
A segunda, de acordo com a presidenta, é a falta de efetividade nas punições para o jornalista que infringe o Código de Ética.
“Como não temos um conselho profissional, a FENAJ e os Sindicatos mantêm as Comissões de Ética, mas as punições são restritas. Não é possível, por exemplo, a suspensão do exercício profissional e, como punição mais severa, a exclusão de alguém da categoria. A pena máxima que pode ser aplicada atualmente é a exclusão do profissional dos quadros do Sindicato. Mas quem não respeita a ética também não respeita o conjunto da categoria e a entidade sindical que a representa”, afirma.
Luta pelo CFJ
A discussão sobre a criação do Conselho Federal dos Jornalistas (CFJ) já dura quase seis décadas, com poucos avanços. Para sua implantação, é necessária a aprovação do Congresso Nacional. Desde a década de 90, algumas propostas chegaram a tramitar no legislativo federal, mas nenhuma avançou por lobby das empresas de comunicação e falta de apoio dos parlamentares, muitos deles proprietários de veículos de comunicação.
A última proposta tramitou em 2004, mas através de votação simbólica, atendendo acordo de lideranças, sem nenhum debate público, a Câmara dos Deputados cedeu ao forte lobby patronal e rejeitou o projeto de Criação do CFJ.
Desde então, nunca mais voltou a tramitar, mas é uma reivindicação dos jornalistas, por meio de suas entidades representativas (FENAJ e Sindicatos), e faz parte de um dos pontos prioritários da chapa única que disputa a eleição para o comando da Federação, em eleição a ser realizada em julho próximo.
“Ainda não conseguimos essa conquista porque as empresas de comunicação se opõem. E elas se opõem exatamente porque o Conselho teria incidência sobre o jornalismo como um todo. As empresas de comunicação não querem nenhuma fiscalização sobre sua atividade e chegam a mentir para a sociedade ao associar o Conselho de Jornalistas à censura. Fiscalização do exercício profissional não é censura; é garantia de qualidade e segurança para a categoria e para a sociedade”, defende a presidenta da FENAJ.
Apesar das dificuldades, a FENAJ tem sua Comissão Nacional de Ética (CNE), que atua como revisora, caso seja acionada, das decisões tomadas pelas Comissões Estaduais de Ética, que podem ser acionadas por qualquer pessoa, e que têm autonomia de atuação em relação à Federação e aos Sindicatos de Jornalistas no Estados.
As comissões, informa Kardé Mourão, presidenta da CNE, são eleitas nos estados com voto direto e em separado das chapas que venham a se inscrever para disputar o comando da Federação e dos Sindicatos. “As transgressões ao Código de Ética são apuradas, apreciadas e julgadas pelos integrantes das comissões de ética, que aceitam a denúncia ou não, apuram e julgam os processos. E só chegam à comissão nacional em caso de recurso”.
Todas essas informações estão no Código de Ética dos Jornalistas, informa Kardé, que ressalta também que qualquer cidadão pode acionar as comissões locais, caso se sinta alvo de injustiça ou violência em função de reportagens ou da atuação de algum jornalista.
Kardé também defende a criação do Conselho. Segundo ela, somente com a criação do Conselho, como de outras categorias, que são autarquias descentralizadas do estado onde eles têm o poder de emitir registro profissional, fiscalizar o exercício da profissão, o ensino das profissões e guardar o Código de Ética.
“Nós não temos isso. Essa é a maior dificuldade para que as punições sejam de fato encaradas como punição. Tem gente que não está nem aí se for chamado na Comissão de Ética porque não é um conselho e não tem poder de sanção. “Se fosse a comissão de um conselho, ele poderia ter até seu registro profissional cassado se cometer uma falta grave”, critica.