Na mesma semana do assassinato da vereadora Marielle Franco, negra e militantes dos direitos humanos, uma empresária do Pará postou nas redes fotos do ensaio para a festa de aniversário da sua filha de 15 anos, com o tema “Imperial Garden”, que faziam referência à escravidão.
Nas fotos, a garota branca, vestida de sinhá, é servida por três atores negros, que estão caracterizados como escravos. Uma das atrizes aparece ajeitando o vestido da garota. Nas imagens, aparece escrito “15zola top” e “top”. O ensaio fotográfico foi produzido por uma empresa que organiza festas, a Cerimonial Lorena Machado.
A Seccional do Pará da Ordem dos Advogados do Brasil anunciou que vai enviar uma representação para o Ministério Público do Pará (MPPA) para pedir providências. “Estamos analisando o caso e devemos encaminhar a representação para que o MPPA convoque a agência responsável pela celebração e proponha ao menos um ajuste de conduta, para que ela se comprometam a nunca mais realizar esse tipo de celebração”, afirmou o presidente da Comissão de Defesa da Igualdade Racial, Etnia e dos Quilombolas no Pará da OAB/PA, Jorge Farias, ao Diário do Pará.
Quando as imagens viralizaram, em um dia significativo para a comunidade negra, quando a pauta do racismo foi uma das principais das redes sociais, a repercussão da “festa top” também apareceu.
Pediu desculpas, mas voltou atrás
A empresária mãe da adolescente negou a acusação de racismo, em entrevista ao G1. “O racismo é uma acusação pesada. Em nenhum momento passou pela nossa cabeça menosprezar uma raça, tanto que em nossa família existem negros e índios”, afirmou. Na entrevista, a empresária ameaçou processar as pessoas que compartilharam as imagens na rede fazendo o que ela chamou de interpretações “de forma deturpada”.
Após a repercussão negativa, a empresa Cerimonial Lorena Machado deixou suas redes sociais restritas aos seguidores. Num primeiro momento, pediu desculpas pela atitude, mas em seguida voltou atrás. No post de arrependimento, a empresa de cerimonial dizia que, no dia 14, haviam preparado “um ensaio fotográfico de um aniversário de 15 anos, cujo tema é Imperial Garden” e que depois viram a reação de pessoas relacionando as imagens com racismo. E pedia perdão em letras maiúsculas:
Logo depois, o post de desculpas foi apagado. Ao BuzzFeed Brasil, a empresa disse o post de arrependimento havia sido feito por um de seus funcionários sem sua autorização e que a festa será realizada no próximo dia 26.
Racismo romantizado
Ouvido pela Ponte, o professor de alemão da Universidade Federal do Pará (UFPA), Hewerton Barros, contou que achou a atitude abominável. “Sobretudo porque remete a tempos difíceis para nós negras e negros, tempos que vem sendo sempre reeditados. Banalizar isto desta forma, só deixa mais clara a condição a qual querem que nós negras e negros estejamos sempre submetidos”, disse.
A estudante paraense Deise Moreira destaca que, no Pará, é comum as pessoas não reconhecerem que há racismo e que as instituições de ensino médio e superior não retratam a história negra como deveriam. “Atualmente, o povo paraense mal sabe o que é Cabanagem e só lembram da Adesão do Pará à Indpendência por causa do feriado estadual. O racismo começa aí, quando ‘esquecem’ que a maior revolta popular do Brasil foi perpetrada por negros e indígenas.”
“Em um país que viveu do século XVI ao XIX a infelicidade de ter como base de sua sociedade a escravidão e que vive, hoje, um momento de ampla discussão sobre as questões raciais que o afligem, é inadmissível que um processo tão dolorido seja tratado de forma romanceada”, afirma a historiadora Geisi Matos, aluna de mestrado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em História Social.
Geisi completa que a atitude é problemática e resgata uma clássica discussão que a História vem combatendo há anos: a ideia de que negros e brancos teriam vivido de forma “paternalista, branda e conciliatória a escravidão”.
“Além disso, a atitude liga a história do negro no Brasil apenas à sua participação na escravidão, o que é leviano, já que a história dos negros e negras no Brasil é feito de muito protagonismo e luta, fato que não pode ser invisibilizado dessa forma”, explica a historiadora.