Leia abaixo sustentação oral do assessor jurídico do SJSP, Raphael Maia, no julgamento de 25 de maio que manteve a condenação de Bolsonaro por assédio moral coletivo.
Boa tarde, senhora desembargadora presidente da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, na pessoa de quem eu cumprimento todos os demais julgadores, doutor procurador de Justiça, serventuários e colegas advogados presentes na sala virtual.
Para mim, é uma honra sustentar em nome do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, entidade sindical que atua diuturnamente na defesa dos direitos e prerrogativas dos e das jornalistas, e que tem como um de seus principais objetivos organizar a categoria na defesa da profissão, da liberdade de imprensa e principalmente da democracia em nosso país!
A razão de ser da presente Ação Civil Pública é que o jornalismo e os jornalistas estiveram sob forte ataque nos últimos quatro anos.
Em situações normais, o jornalismo não é, e nem poderia ser, uma profissão de risco!
Mas no Brasil, nos últimos anos, a violência contra profissionais é preocupação constante e crescente da categoria.
Desde 2019, os jornalistas são atacados pelo recorrente, que até 31/12/22 ocupava nada menos que o cargo de presidente da República.
Conforme constou na sentença de origem, tais ataques reiterados do réu à categoria dos jornalistas, em pronunciamentos públicos ou em suas redes sociais, se dão de forma hostil, desrespeitosa e humilhante, com a utilização de violência verbal, palavras de baixo calão, expressões pejorativas, homofóbicas, xenófobas e misóginas, extrapolam seu direito à liberdade de expressão e importam assédio moral coletivo contra toda a categoria de jornalistas, atentando contra a própria liberdade de imprensa e a democracia, porquanto têm o condão de causar temor nos profissionais da imprensa, muitas vezes atacados moral e até fisicamente pelos apoiadores do requerido, que o têm como exemplo.
Os levantamentos colacionados no bojo dos autos por diversas entidades que monitoram os casos de violência contra os profissionais de imprensa no Brasil deixam clara esta situação. Desde que chegou à Presidência, o recorrente é o principal agente de ataques verbais e virtuais a jornalistas!
Este cenário de extrema gravidade foi amplificado com o advento da fase mais aguda da pandemia, ocasião em que o negacionismo do apelante e sua clara incapacidade para liderar o país no combate ao vírus da covid-19 eram constantemente revelados pelos profissionais de imprensa, despertando a sua ira em relação à citada categoria profissional.
A título de exemplo, cito algumas das vexatórias e repugnantes falas do apelante propaladas em entrevistas coletivas ou em manifestações a correligionários perante o verdadeiro “circo de horror” que se transformou o cercadinho na saída do Palácio do Alvorada:
“Jornalista bundão tem menor chance de sobreviver a covid do que ele” (fl. 383);
“Queria dar o furo a qualquer preço contra mim”, caso célebre contra a jornalista Patrícia Campos Mello;
“Oh, rapaz, pergunta para sua mãe o comprovante que ela deu para o seu pai, tá certo?” (fls. 361);
“Você tem uma cara de homossexual terrível” (fls. 356 e 361);
“A vontade é encher tua boca com uma porrada, tá! Seu safado” (fls. 366/368);
“Vai pra puta que o pariu! Imprensa de merda essa daí. É pra enfiar no rabo de vocês aí, vocês da imprensa, essa lata de leite condensado toda aí” (fl. 398).
Tais frases, além de notórias por terem sido proferidas pelo então chefe de Estado, estão fartamente demonstradas documentalmente nos autos e, conforme constou na brilhante sentença de piso, sequer foram impugnadas pela defesa.
Nesse passo, como muito bem registrado pela magistrada de origem, as agressões e ameaças vindas do réu, que era até então a autoridade maior da nação, encontram enorme repercussão em seus apoiadores, e contribuíram fortemente para os ataques virtuais e até mesmo físicos que passaram a sofrer jornalistas.
Assim, numa clara relação de causa e efeito, restou cabalmente demonstrado nos autos uma série de ataques na vida real que os jornalistas passaram a sofrer após essa verdadeira campanha de enxovalhamento e descredibilização que o apelante intentou contra a imagem dos profissionais de imprensa.
Cito apenas alguns exemplos:
Em 10/4/20, uma pessoa tomou o microfone de um repórter da TV Globo que entrava ao vivo e disse que a emissora era “um lixo” e que “Bolsonaro tem razão”.
Em 19/4/20, dois repórteres que cobriam um ato em favor do governo foram agredidos por manifestantes.
Aos 14/5/20, um hospital foi pichado com seguinte frase: “Colabore com a limpeza do Brasil matando um jornalista todo dia”.
Em 2/6/20, uma repórter fotográfica de um jornal teve os dados pessoais vazados em redes sociais por um apoiador do apelante.
Por fim, em 17/3/21, o jornalista José Antônio Arantes, da cidade de Olímpia, crítico ao negacionismo propalado pelo presidente, teve a sua casa, que é sede do jornal local, alvo de um ataque incendiário, colocando em risco a vida do profissional e de sua família!
Portanto, repito e insisto no que disse anteriormente: o jornalismo não poderia ser, de forma alguma, uma profissão de risco! A sociedade não pode normalizar esta situação infame! Este julgamento de hoje é, portanto, parte da necessária resposta das instituições da República.
Outrossim, contrariamente ao defendido pelo apelante em suas razões, a jurisprudência atual dos nossos tribunais já assentou que a liberdade de expressão e de manifestação do pensamento não constitui direito absoluto, não é liberdade de agressão!
Por fim, excelências, em relação à preliminar de nulidade processual, conforme o brilhante parecer da Procuradoria de Justiça, a mesma não deve prosperar, vez que o apelante exerceu plenamente o seu direito de defesa e, conforme constou na decisão dos embargos de declaração, a revelia imposta não foi condição sine qua non para a procedência da ação, razão pela qual não há nulidade sem prejuízo.
Encerro clamando para que seja negado provimento ao apelo do réu e dizendo que, ao manter incólume a brilhante sentença de primeiro grau, essa colenda 4ª Câmara do Tribunal de Justiça estará não só repondo a honra e a dignidade de toda uma categoria profissional formada por milhares de homens e mulheres abnegados que propiciam o direito constitucional de informação à população brasileira, mas vossas excelências estarão também reafirmando o respeito à liberdade de imprensa e à democracia!
Raphael Maia.